Logo UNIFESP

Questão 4 Unifesp 2020 - 2ª fase - Português, Inglês e Redação

Carregar prova completa Compartilhe essa resolução

Questão 4

Pressupostos e Subentendidos

Para responder às questões de 02 a 05, leia o trecho do livro O homem cordial, de Sérgio Buarque de Holanda.

    Já se disse, numa expressão feliz, que a contribuição brasileira para a civilização será de cordialidade — daremos ao mundo o “homem cordial”. A lhaneza1 no trato, a hospitalidade, a generosidade, virtudes tão gabadas por estrangeiros que nos visitam, representam, com efeito, um traço definido do caráter brasileiro, na medida, ao menos, em que permanece ativa e fecunda a influência ancestral dos padrões de convívio humano, informados no meio rural e patriarcal. Seria engano supor que essas virtudes possam significar “boas maneiras”, civilidade. São antes de tudo expressões legítimas de um fundo emotivo extremamente rico e transbordante. Na civilidade há qualquer coisa de coercitivo — ela pode exprimir-se em mandamentos e em sentenças. Entre os japoneses, onde, como se sabe, a polidez envolve os aspectos mais ordinários do convívio social, chega a ponto de confundir-se, por vezes, com a reverência religiosa. Já houve quem notasse este fato significativo, de que as formas exteriores de veneração à divindade, no cerimonial xintoísta, não diferem essencialmente das maneiras sociais de demonstrar respeito.

     Nenhum povo está mais distante dessa noção ritualista da vida do que o brasileiro. Nossa forma ordinária de convívio social é, no fundo, justamente o contrário da polidez. Ela pode iludir na aparência — e isso se explica pelo fato de a atitude polida consistir precisamente em uma espécie de mímica deliberada de manifestações que são espontâneas no “homem cordial”: é a forma natural e viva que se converteu em fórmula. Além disso a polidez é, de algum modo, organização de defesa ante a sociedade. Detém-se na parte exterior, epidérmica do indivíduo, podendo mesmo servir, quando necessário, de peça de resistência. Equivale a um disfarce que permitirá a cada qual preservar intatas sua sensibilidade e suas emoções.

    Por meio de semelhante padronização das formas exteriores da cordialidade, que não precisam ser legítimas para se manifestarem, revela-se um decisivo triunfo do espírito sobre a vida. Armado dessa máscara, o indivíduo consegue manter sua supremacia ante o social. E, efetivamente, a polidez implica uma presença contínua e soberana do indivíduo.

    No “homem cordial”, a vida em sociedade é, de certo modo, uma verdadeira libertação do pavor que ele sente em viver consigo mesmo, em apoiar-se sobre si próprio em todas as circunstâncias da existência. Sua maneira de expansão para com os outros reduz o indivíduo, cada vez mais, à parcela social, periférica, que no brasileiro — como bom americano — tende a ser a que mais importa. Ela é antes um viver nos outros.

(O homem cordial, 2012.)

1 lhaneza: afabilidade.


Dentre os seguintes termos empregados no primeiro parágrafo, considerados no contexto, o que tem sentido mais genérico é:



a)

veneração.

b)

lhaneza.

c)

polidez.

d)

civilidade.

e)

caráter

Resolução

a) Incorreta. A veneração está relacionada à divindade.

b) Incorreta. A afabilidade é especificada pela situação em que ocorre, no caso, no trato.

c) Incorreta. A polidez é caracterizada pelos “aspectos ordinários do convívio social”.

d) Incorreta. A civilidade refere-se às virtudes (lhaneza, hospitalidade e generosidade).

e) Correta.  A expressão “caráter brasileiro” não é determinada por nenhum termo ou conceito, expressando, assim, o sentido mais genérico dentre as outras alternativas.