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Questão 0 Unicamp 2020 - 2ª fase - dia 1 - Português, Inglês e Redação

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Redação

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REDAÇÃO

PROPOSTA 1

 Você trabalha como colunista em uma revista eletrônica brasileira, bastante acessada por ambientalistas de diferentes países. Esse público demanda, constantemente, matérias sobre a biodiversidade e sobre o caráter multiétnico e multicultural do Brasil. O editor da revista encomendou a você um podcast que aborde a inter-relação entre esses dois temas e sua importância para a sustentabilidade.

Para se preparar para o seu podcast, você escreve o texto que lerá no dia da gravação. Nele você deve:

a) relacionar biodiversidade e sociodiversidade, b) tratar da importância da preservação do patrimônio cultural e ambiental para o crescimento sustentável do Brasil e c) argumentar de modo a convencer seus ouvintes.

Podcasts são arquivos digitais de áudio publicados na internet e que podem ser ouvidos, até mesmo em celulares, a qualquer momento, por qualquer pessoa. São considerados “textos para ouvir”.

Para redigir seu texto, leve em conta os excertos apresentados a seguir.

1) O patrimônio genético nacional e os conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade brasileira contribuem para o desenvolvimento de novos produtos, muitos deles patenteados para ser comercializados. Isso porque o Brasil é um dos poucos países que reúnem as principais características para ter um sistema de acesso ao patrimônio genético e aos conhecimentos tradicionais a ele associados, de modo a promover o desenvolvimento sustentável. A primeira característica é a biodiversidade: são mais de 200 mil espécies já registradas em seus biomas (Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pantanal e Pampa) e na Zona Costeira e Marinha. Este número pode chegar a mais de 1 milhão e oitocentas mil espécies. A segunda característica é a sociodiversidade: são mais de 305 etnias indígenas, com cerca de 270 diferentes línguas, além de diversas comunidades tradicionais e locais (quilombolas, caiçaras, seringueiros, etc.) e agricultores familiares, que detêm importantes conhecimentos associados à biodiversidade. (Adaptado de Patrimônio Genético e Conhecimentos Tradicionais Associados. Disponível em https://www.mma.gov.br/patrimonio-genetico.html. Acessado em 02/08/2019.)

2) o cerrado é milagre, como toda a vida

(é também pedaço do planeta que desaparece)

abraço meu irmão pequizeiro

(...) os jatobás sorriem

as perobas não dizem nada, apenas sentem

(...)

agora prepare seu coração:

correntão vai passar e levar tudo

ninho de passarinho rasteiro também

depois do correntão,

brotou o que tinha que brotar

mas já era tarde – faca fina do arado cortou a raiz

pela raiz e aí não brotou mais nada. aliás, brotou

coisa melhor: soja, verdinha, verdinha

 

que beleza, diziam

(...)

antes de terminar pergunto: quem vai pagar

o preço de tamanha destruição?

“daqui a cem anos estaremos todos mortos”,

disse alguém.

certo. estaremos todos mortos

mas nossos netos, não

o cerrado é milagre, minha gente

(Nicolas Behr, O cerrado é milagre, em Primeira Pessoa. Brasília: LGE Editora, 2005, p. 109.)

 

3) O Cerrado é o lugar onde a sabedoria popular se materializa em planta. Lá as aparências, de fato, enganam. Onde se veem arbustos de galhos retorcidos há o mais importante sistema de captação e reserva de água do Brasil fora da Amazônia. Um sistema baseado em vegetação e que garante nove das principais bacias hidrográficas do país. Ameaçado pela expansão do agronegócio, reduzido a cerca da metade de seu tamanho original, ele agora caminha para a maior extinção de plantas já registrada no mundo, com consequências para a oferta de água e a regulação do clima do centro-sul do país. Falamos de perda de biodiversidade, de segurança hídrica e climática. Um hectare desmatado de Cerrado tem mais impacto hoje do que um hectare desmatado na Amazônia. Não se trata de impedir a produção agrícola. Ao contrário, ela tem condições de aumentar sem precisar desmatar mais – frisa Bernardo Strassburg, diretor do Instituto Internacional para a Sustentabilidade. (Adaptado de Ana Lucia Azevedo, Desmatamento do Cerrado pode levar à extinção de 1.140 espécies de plantas. Disponível em O Globo, 14/10/2018. Acessado em 02/08/2019.)

4) O último relatório da ONU que alerta sobre a velocidade com que as espécies estão se extinguindo (uma de cada oito está ameaçada) assinala que essa destruição da natureza é mais lenta nas terras onde vivem os povos indígenas do que no resto do planeta. Mas também destaca a crescente ameaça que ronda essas comunidades na forma de expansão da agricultura, urbanização, mineração, novas infraestruturas. O Brasil, que abriga a maior parte da Amazônia e o ecossistema mais rico do mundo, é um dos países onde essa ameaça é mais evidente. Segundo Nurit Bensusan, da ONG Instituto Socioambiental (ISA), o papel dos indígenas ganha uma dimensão importante: “Por conhecerem tão intimamente as florestas, eles têm uma percepção muito antecipada das mudanças ambientais. Sabem como lidar com isso. Por exemplo, param de caçar em uma área durante um tempo e assim aliviam o impacto antes que quaisquer outros.” Os indígenas são parte essencial dos alertas rápidos e da prevenção. (Adaptado de Naiara Galarraga Gortázar, Por que os indígenas são a chave para proteger a biodiversidade planetária: a ONU destaca que nas terras habitadas pelos povos originários o desaparecimento de espécies é mais lento que no resto do mundo. Disponível em El País, 08/05/2019. Acessado em 04/08/2019.)

 

REDAÇÃO

PROPOSTA 2

        Você é um(a) escritor(a) que publica uma crônica em uma revista semanal. Sempre se viu como uma pessoa livre de preconceitos e sempre apoiou a igualdade de gêneros. Hoje, porém, ao ler uma matéria no El País, você se deu conta de que, certa vez, vivenciou um episódio em que considerou normal uma das atitudes listadas nessa matéria, as quais, segundo Ianko López, revelam o micromachismo enraizado em nossa sociedade.

        Diante da sua tomada de consciência, você decidiu que esse será o tema da sua crônica desta semana. Identificou, então, entre as atitudes listadas (excerto 1) a que corresponde à situação que você vivenciou. Em sua crônica, você deve, tal como fez Chimamanda Ngozi Adichie (excerto 2): a) narrar o episódio vivenciado por você, b) relacioná-lo à atitude micromachista escolhida e c) expor suas reflexões sobre os sentimentos que o reconhecimento dessa atitude despertou em você.

Crônica é um gênero textual que aborda temas do cotidiano. Normalmente é veiculada em jornais e revistas. O cronista trata de situações corriqueiras sob uma ótica particular.

        Para redigir o seu texto, leve em conta os excertos apresentados a seguir.

1) As atitudes machistas mais flagrantes são claras para nós. Aquelas que, de forma manifesta e constante, colocam a mulher em uma posição inferior ao homem em contextos sociais, econômicos, jurídicos e familiares. Aquelas que consideram que o homem e a mulher nascem com objetivos e ambições diferentes na vida. No entanto, apesar das reivindicações históricas dos anos 1970 e da crescente conscientização em relação ao machismo em todos os âmbitos culturais e políticos nos últimos anos, há pequenos resquícios que continuam interiorizados em muitos de nós. São sequelas da nossa educação e dos produtos culturais que nos formaram como pessoas e que fazem com que, apesar de criticarmos e denunciarmos o machismo, ainda possamos cair em algumas de suas armadilhas sem perceber. O micromachismo, como vem sendo chamado nos últimos cinco anos, se manifesta em formas de discriminação muito sutis que acontecem todos os dias, até mesmo nos ambientes mais progressistas. Segue uma lista baseada em exemplos que demonstram que talvez tenhamos entendido o grosso das reivindicações feministas, mas ainda precisamos ler as letras miúdas.

1. Achei necessário explicar algo a uma mulher sem que ela me pedisse, pelo simples fato de ser mulher.
2. Comentei com um amigo que ficou cuidando dos filhos: “Hoje te deixaram de babá.”
3. Perguntei a uma mulher se ela estava “naqueles dias” quando me respondeu com indiferença ou desprezo.
4. Disse que “ajudo” nas tarefas do lar, subentendendo que esse é um trabalho da mulher em que eu estou ajudando, e não participando em condições de igualdade.
5. Em meu trabalho ou entre amigos, só chamo os homens para jogar futebol, pressupondo que as mulheres não querem jogar.
6. Perguntei a uma mulher quando vai ter filhos, mas nunca perguntei o mesmo a um homem.
7. Pago todos os meus jantares com mulheres acreditando que é o que se espera de mim.
8. Descrevi uma mulher como “pouco feminina”.
9. Usei a palavra “provocante” para descrever a roupa de uma mulher.
10. Comentei que “essas não são formas para uma moça falar.”
11. Na televisão, aprecio homens ácidos e divertidos e mulheres bonitas.
12. Fiz o comentário “Ela é uma mulher forte”, subentendendo que as mulheres, em geral, são fracas.
13. Deixo meu filho adolescente ficar na rua até as 3 da madrugada, mas obrigo minha filha a voltar antes da meia-noite.

(Adaptado de Ianko López, Micromachismos: se é homem e faz alguma destas coisas, deve repensar seu comportamento. Disponível em El País. https://brasil.elpais.com/brasil/2018/03/07/politica/1520426823_220468.html. Acessado em 28/06/2019.)

2) Quando eu estava no primário, em Nsukka, uma cidade universitária no sudeste da Nigéria, no começo do ano letivo, a professora anunciou que iria dar uma prova e quem tirasse a nota mais alta seria o monitor da classe. Ser monitor era muito importante. Ele podia anotar, diariamente, o nome dos colegas baderneiros, o que por si só já era ter um poder enorme; além disso, ele podia circular pela sala empunhando uma vara, patrulhando a turma do fundão. É claro que o monitor não podia usar a vara. Mas era uma ideia empolgante para uma criança de nove anos, como eu. Eu queria muito ser a monitora da minha classe. E tirei a nota mais alta. Mas, para minha surpresa, a professora disse que o monitor seria um menino. Ela havia se esquecido de esclarecer esse ponto, achou que fosse óbvio. Um garoto tirou a segunda nota mais alta. Ele seria o monitor. O mais interessante é que o menino era uma alma bondosa e doce, que não tinha o menor interesse em vigiar a classe com uma vara. Mas eu era menina e ele, menino, e ele foi escolhido. Nunca me esqueci desse episódio. Se repetimos uma coisa várias vezes, ela se torna normal. Se vemos uma coisa com frequência, ela se torna normal. Se só os meninos são escolhidos como monitores da classe, então em algum momento nós todos vamos achar, mesmo que inconscientemente, que só um menino pode ser o monitor da classe. Se só os homens ocupam cargos de chefia nas empresas, começamos a achar “normal” que esses cargos de chefia só sejam ocupados por homens. Eu tendo a cometer o erro de achar que uma coisa óbvia para mim também é óbvia para todo mundo. Um dia estava conversando com meu querido amigo Louis, que é um homem brilhante e progressista, e ele me disse: “Não entendo quando você diz que as coisas são diferentes e mais difíceis para as mulheres. Talvez fosse verdade no passado, mas não é mais. Hoje as mulheres têm tudo o que querem.” Oi? Como o Louis não enxergava o que para mim era tão óbvio? (Adaptado de Chimamanda Ngozi Adichie.
Sejamos todos feministas. Tradução de Christina Baum. São Paulo: Companhia da Letras, 2015, p. 15-17.)

Você deverá escolher apenas UMA das propostas para desenvolver. Não se esqueça de marcar a proposta escolhida na folha de resposta reservada para a Redação.



Comentários

Neste ano, a UNICAMP trouxe à baila dois gêneros textuais que ainda não haviam sido contemplados em seus vestibulares anteriores: podcast e crônica. Para ambos, a banca ofereceu ao candidato, além das instruções esperadas para a elaboração dos textos, um quadro conceituando brevemente cada um dos gêneros. Assim: 

Podcasts são arquivos digitais de áudio publicados na internet e que podem ser ouvidos, até mesmo em celulares, a qualquer momento, por qualquer pessoa. São considerados “textos para ouvir”.

 

Crônica é um gênero textual que aborda temas do cotidiano. Normalmente é veiculada em jornais e revistas. O cronista trata de situações corriqueiras sob uma ótica particular.

Para a Proposta 1, o candidato deveria considerar-se um colunista de uma revista eletrônica brasileira cujo público-alvo são ambientalistas de diferentes países que costumam demandar do veículo matérias sobre biodiversidade e sobre caráter multiétnico e multicultural do Brasil. Para atender a tal demanda, o editor da revista solicitou a você um podcast que abordasse a inter-relação entre tais temas e sua importância para a sustentabilidade. Apesar de o podcast ser um gênero de áudio, por não se tratar de uma fala espontânea, o colunista deve escrever o texto que será lido no dia da gravação, no qual se cumpram os itens obrigatórios da proposta temática, quais sejam: relacionar biodiversidade e sociodiversidade;  tratar da importância da preservação do patrimônio cultural e ambiental para o crescimento sustentável do Brasil e, por fim, argumentar de modo a convencer seus ouvintes. Assim, o podcast solicitado pela UNICAMP tem caráter argumentativo.

O candidato, para a elaboração do texto, não poderia se furtar do uso dos excertos apresentados. No primeiro excerto, os conceitos de biodiversidade (elevado número de diferentes espécies espalhadas por diferentes biomas brasileiros) e de sociodiversidade (elevado número de etnias indígenas, com muitas línguas diferentes e diversas comunidades tradicionais e locais, além de agricultores familiares) são apresentados como características do Brasil, "um dos poucos países que reúnem as principais características para ter um sistema de acesso ao patrimônio genético e aos conhecimentos tradicionais a ele associados, de modo a promover o desenvolvimento sustentável". No segundo excerto, o poema "O cerrado é milagre" problematiza a destruição desse bioma brasileiro e as possíveis consequências para as futuras gerações. No terceiro excerto, novamente o bioma do Cerrado é protagonista e o texto traz algumas informações interessantes: os arbustos de galhos retorcidos do Cerrado são um importante sistema de captação e a principal reserva de água do Brasil fora da Amazônia e o sistema baseado em vegetação garante nove das principais bacias hidrográficas do país. Contudo, o agronegócio tem ameaçado o Cerrado brasileiro, tendo reduzido-o à metade de sua extensão original e trazendo consequências imediatas, como a maior extinção de plantas já registrada no mundo e comprometendo a oferta de água e a regulação do clima do centro-sul brasileiro. O excerto conclui que não se trata de impedir a produção agrícola, mas de esta ser crescente sem que seja necessário desmatar mais, agravando ainda mais a perda de biodiversidade e a insegurança hídrica e climática. No quarto excerto, é apresentado o resultado do último relatório da ONU sobre a velocidade com que as espécies estão entrando em extinção e segundo o qual tal perda de biodiversidade é mais lenta em terras ocupadas por povos indígenas, possivelmente porque "Por conhecerem tão intimamente as florestas, eles têm uma percepção muito antecipada das mudanças ambientais. Sabem como lidar com isso. Por exemplo, param de caçar em uma área durante um tempo e assim aliviam o impacto antes que quaisquer outros". O mesmo relatório alerta para a crescente ameaça que as comunidades indígenas vêm sofrendo, por meio da expansão agrícola, da urbanização, da mineração e de novas infraestruturas. Destaca-se o Brasil nesse contexto em função de o país abrigar a maior parte da Amazônia, ecossistema mais rico do mundo, mas também por ser o Brasil um dos países em que a ameaça aos povos indígenas é mais evidente. 

Dessa forma, de posse de todas as informações que os excertos trouxeram, o candidato teria condições de relacioná-los e articulá-los à proposta da redação.

Já para a Proposta 2, o candidato deveria se colocar na posição de um escritor ou escritora que semanalmente publica uma crônica em uma revista e cujo perfil é o de uma pessoa que sempre se enxergou como livre de preconceitos e apoiadora da igualdade entre os gêneros. No entanto, ao ler uma matéria (transcrita na prova como texto-fonte, aliás) do El País sobre atitudes machistas enraizadas na nossa cultura, percebeu que já naturalizou, em certa ocasião, um episódio como um dos transcritos na matéria. Isso trouxe ao escritor/escritora uma tomada de consciência que foi a motivação para a elaboração da próxima crônica a ser publicada e na qual tal episódio deve ser narrado, relacionado à atitude micromachista identificada e, posteriormente, reflexões devem ser feitas sobre os sentimentos que o reconhecimento dessa atitude despertou no escritor/escritora. 

Mais uma vez, o candidato não poderia se furtar do uso dos excertos apresentados. O primeiro deles é justamente o texto de Ianko López publicado no El País, que despertou a tomada de consciência do escritor/escritora. Neste texto, apresenta-se o conceito de micromachismo, ou seja, as formas de discriminação mais sutis do cotidiano e que passam despercebidas, sem que, muitas vezes, sejam reconhecidas como machistas. O texto elenca 13 exemplos desse tipo de atitude e em cima de um deles é que o texto do candidato deveria ser baseado. O excerto 2 serve como exemplo de reflexão ao candidato, pois é de autoria de Chimamanda Ngozi Adichie e narra um episódio de sua infância que pode ser considerado como exemplo do micromachismo: mesmo depois de conseguir a nota mais alta da turma, seu colega menino é que foi nomeado monitor de sala, pois seria "óbvio" que meninas não poderiam ocupar tal função. E, apesar de o episódio datar de longa data, a autora defende que as dificuldades para as mulheres, em várias questões, permanecem até hoje e muitas vezes não são explícitas, a ponto de não serem óbvias até mesmo para indivíduos que se dizem progressistas.

Assim, por meio da leitura dos dois excertos e da proposta, o candidato teria que redigir a sua crônica exemplificando uma situação de machismo tão sutil que, quando de sua ocorrência, não foi percebida como tal, mas cuja tomada de consciência veio após a leitura do texto de Ianko López.