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Questão 32 Fuvest 2020 - 1ª fase

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Questão 32

Claro Enigma

Cantiga de enganar

(...)
O mundo não tem sentido.
O mundo e suas canções
de timbre mais comovido
estão calados, e a fala
que de uma para outra sala
ouvimos em certo instante
é silêncio que faz eco
e que volta a ser silêncio
no negrume circundante.
Silêncio: que quer dizer?
Que diz a boca do mundo?
Meu bem, o mundo é fechado,
se não for antes vazio.
O mundo é talvez: e é só.

Talvez nem seja talvez.
O mundo não vale a pena,
mas a pena não existe.
Meu bem, façamos de conta.
De sofrer e de olvidar,
de lembrar e de fruir,
de escolher nossas lembranças
e revertê‐las, acaso
se lembrem demais em nós.
Façamos, meu bem, de conta
 – mas a conta não existe –
que é tudo como se fosse,
ou que, se fora, não era.
(...)

Carlos Drummond de Andrade, Claro Enigma.


Em Claro Enigma, a ideia de engano surge sob a perspectiva do sujeito maduro, já afastado das ilusões, como se lê no verso‐síntese “Tu não me enganas, mundo, e não te engano a ti.” (“Legado”). O excerto de “Cantiga de enganar” apresenta a relação do eu com o mundo mediada



a)

pela música, que ressoa em canções líricas.

b)

pela cor, brilhante na claridade solar.

c)

pela afirmação de valores sólidos.

d)

pela memória, que corre fluida no tempo.

e)

pelo despropósito de um faz‐de‐conta.

Resolução

a) Incorreta. Ainda que haja uma menção a “canções” no excerto, não é possível afirmar que a relação do eu com o mundo é mediada pela música, uma vez que esse paralelo não é o fio condutor do poema. Além disso, não há uma relação direta entre a forma de enxergar o mundo e as canções líricas.

b) Incorreta. Não há, no poema, uma relação entre a claridade solar e a forma de se relacionar com o mundo, uma vez que não há elementos que remetam a cores e luzes.

c) Incorreta. O poema trabalha, justamente, com o reconhecimento de que os valores não são sólidos (como se pode ver, por exemplo, nos versos O mundo não tem sentido; O mundo é talvez) e, por isso, é preciso olhar para eles de forma mais madura e concreta, pois o “faz-de-conta" não existe.

d) Incorreta. Não é possível afirmar que a relação do eu com o mundo aparece, no poema, mediada pela memória, uma vez que ela é apresentada apenas como uma das percepções que compõem a forma como o mundo deve ser enxergado. Além disso, a memória, no excerto, aparece como algo a ser manipulado, e, que portanto, não corre fluido no tempo.

e) Correta. O excerto revela um olhar maduro em relação ao mundo na medida em que aponta para elementos que não têm mais lugar nesse mundo – o mundo não tem sentido, está calado, é vazio, não vale a pena. Tendo isso em mente, traz como conselho “Meu bem, façamos de conta” de escolher lembranças e recontar um passado, para, logo em seguida, dizer que “a conta não existe”. Ou seja, o que se tem é o mundo como ele é – sem sentido – e isso deve ser encarado sem que se criem versões mais agradáveis da realidade.