Os textos literários são obras de discurso, a que falta a imediata referencialidade da linguagem corrente; poéticos, abolem, “destroem” o mundo circundante, cotidiano, graças à função irrealizante da imaginação que os constrói. E prendem‐nos na teia de sua linguagem, a que devem o poder de apelo estético que nos enleia; seduz‐nos o mundo outro, irreal, neles configurado (...). No entanto, da adesão a esse “mundo de papel”, quando retornamos ao real, nossa experiência, ampliada e renovada pela experiência da obra, à luz do que nos revelou, possibilita redescobri‐lo, sentindo‐o e pensando‐o de maneira diferente e nova. A ilusão, a mentira, o fingimento da ficção, aclara o real ao desligar‐se dele, transfigurando‐o; e aclara‐o já pelo insight que em nós provocou.
Benedito Nunes, “Ética e leitura”, de Crivo de Papel.
O que eu precisava era ler um romance fantástico, um romance besta, em que os homens e as mulheres fossem criações absurdas, não andassem magoando‐se, traindo‐se. Histórias fáceis, sem almas complicadas. Infelizmente essas leituras já não me comovem.
Graciliano Ramos, Angústia.
Romance desagradável, abafado, ambiente sujo, povoado de ratos, cheio de podridões, de lixo. Nenhuma concessão ao gosto do público. Solilóquio doido, enervante.
Graciliano Ramos, Memórias do Cárcere, em nota a respeito de seu livro Angústia.
O argumento de Benedito Nunes, em torno da natureza artística da literatura, leva a considerar que a obra só assume função transformadora se
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estabelece um contraponto entre a fantasia e o mundo. |
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utiliza a linguagem para informar sobre o mundo. |
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instiga no leitor uma atitude reflexiva diante do mundo. |
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oferece ao leitor uma compensação anestesiante do mundo. |
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conduz o leitor a ignorar o mundo real. |
a) Incorreta. Para Benedito Nunes, não é o contraponto entre fantasia e mundo real que torna uma obra literária transformadora, uma vez que essa propriedade estaria associada à relação que cabe ao leitor estabelecer entre si mesmo, a obra e o mundo, e não necessariamente às características de fantasia que podem compor determinada obra.
b) Incorreta. A informatividade não é tratada, no texto, como uma característica que torna a literatura transformadora, uma vez que é necessário que haja um paralelo entre o que a obra literária trata e o olhar que o leitor oferece ao mundo.
c) Correta. De acordo com o texto, uma obra literária será transformadora se, a partir de sua leitura, o leitor conseguir reavaliar o mundo que o cerca (“redescobri-lo, sentindo-o e pensando-o de maneira diferente e nova”), com uma experiência “ampliada e renovada pela experiência da obra”. Nesse sentido, é correto afirmar que, se uma obra instigar no leitor uma atitude reflexiva diante do mundo, terá função transformadora.
d) Incorreta. Não é correto afirmar que, para Benedito Nunes, uma obra literária será transformadora se anestesiar o leitor, uma vez que este precisa, justamente, estar atento ao mundo e a novas interpretações dele, motivadas pela leitura de obras literárias.
e) Incorreta. Em nenhum momento, o texto afirma ser preciso ignorar o mundo real, ao contrário, é com o olhar voltado para este, e imbuído das reflexões propiciadas pela literatura, que se dá a transformação.