Uma planta é perturbada na sua sesta* pelo exército que a pisa.
Mas mais frágil fica a bota.
Gonçalo M. Tavares, 1: poemas.
*sesta: repouso após o almoço.
Considerando que se trata de um texto literário, uma interpretação que seja capaz de captar a sua complexidade abordará o poema como
a) |
uma defesa da natureza. |
b) |
um ataque às forças armadas. |
c) |
uma defesa dos direitos humanos. |
d) |
uma defesa da resistência civil. |
e) |
um ataque à passividade. |
Ao poema de Tavares (“Uma planta é perturbada na sua sesta pelo exército que a pisa./ Mas mais frágil fica a bota.”) pode-se atribuir uma leitura conotativa. Nesse sentido, um percurso figurativo poderia associar o exército e sua bota à força, à violência que marcha impiedosamente sobre tudo aquilo que se põe à sua frente, que lhe oferece mais ou menos resistência ao avanço. A planta, incomodada em seu sono, é pisada pela tropa. Pela prosopopeia (“perturbada na sua sesta”), seria possível ler a planta como humana, num sentido mais amplo. Assim, haveria duas classes de homens, os que agridem (exército) e os que são agredidos (planta). De maneira contraintuitiva, no entanto, os agressores sofrem uma resposta a seu ataque, “Mas mais frágil fica a bota”. Atente-se para o advérbio “mais”: a bota [já] seria frágil e se torna mais frágil ao atacar a planta. Por isso, numa leitura do poema para além do literal, homens que não fazem parte do braço armado do Estado podem resistir a ele, pacificamente. Esse movimento parece inequivocamente estar associado a episódios de resistência civil como os de Gandhi ou Luther King. Essa resistência civil contunde sem atacar, como nos exemplos históricos, e derrota o ofensor sem entrar no jogo da violência. As greves, boicotes, protestos pacíficos desestabilizam os sistemas de opressão sem o emprego da reação violenta, como a planta que fragiliza ainda mais a bota. Por tudo o que se afirmou acima, é condizente com a leitura figurada do poema a alternativa D.