Ao primeiro brilho da alvorada chegou do horizonte uma nuvem negra, que era conduzida [pelo] senhor da tempestade (...). Surgiram então os deuses do abismo; Nergal destruiu as barragens que represavam as águas do inferno; Ninurta, o deus da guerra, pôs abaixo os diques (...). Por seis dias e seis noites os ventos sopraram; enxurradas, inundações e torrentes assolaram o mundo; a tempestade e o dilúvio explodiam em fúria como dois exércitos em guerra. Na alvorada do sétimo dia o temporal (...) amainou (...) o dilúvio serenou (...) toda a humanidade havia virado argila (...). Na montanha de Nisir o barco ficou preso (...). Na alvorada do sétimo dia eu soltei uma pomba e deixei que se fosse. Ela voou para longe, mas, não encontrando um lugar para pousar, retornou. Então soltei um corvo. A ave viu que as águas haviam abaixado; ela comeu, (...) grasnou e não mais voltou para o barco. Eu então abri todas as portas e janelas, expondo a nave aos quatro ventos. Preparei um sacrifício e derramei vinho sobre o topo da montanha em oferenda aos deuses (...).
A Epopeia de Gilgamesh, São Paulo: Martins Fontes, 2001.
Com base no texto, registrado aproximadamente no século VII a.C. e que se refere a um antigo mito da Mesopotâmia, bem como em seus conhecimentos, é possível dizer que a sociedade descrita era
a) |
mercantil, pacífica, politeísta e centralizada. |
b) |
agrária, militarizada, monoteísta e democrática. |
c) |
manufatureira, naval, monoteísta e federalizada. |
d) |
mercantil, guerreira, monoteísta e federalizada. |
e) |
agrária, guerreira, politeísta e centralizada. |
O documento em questão se refere à epopeia de Gilgamesh, descrito rei da cidade de Uruk, na Suméria. Tal lenda está narrada de forma incompleta em doze tábuas de cerâmica escrita em língua cuneiforme acadiana, e descoberta nas ruínas da antiga biblioteca de Assurbanipal (668-627 a.C.), na região da antiga cidade de Nínive. A história versa sobre os feitos de Gilgamesh, rei da Suméria, descrito como meio humano e meio divino, narrando seus feitos enquanto governante e na busca pela imortalidade.
O trecho descrito nesse exercício está presente no 11ª tábua descoberta nas escavações, e se refere a um grande dilúvio que teria ocorrido e assolado a região. Deste dilúvio, apenas um homem teria sobrevivido, Utnapishtim, e, na epopeia, Gilgamesh busca-o para descobrir acerca dos feitos e de seu dom de imortalidade. Contudo, a saga de Gilgamesh não tem sucesso, sendo que a narrativa épica termina com o retorno do rei à Uruk, a qual vive e governa até sua morte.
O trecho fornecido da epopeia fornece elementos que auxiliam na resolução do presente exercício, devendo ser associado com conhecimentos prévios acerca da Mesopotâmia Antiga. Nesse sentido, é possível notar a presença de referências à crença politeísta da sociedade mesopotâmica, como no trecho "surgiram então os deuses do abismo", para além das menções explícitas a Nergal e Ninruta, o que já invalida o “monoteísmo” mencionado nas alternativas B, C e D. Por sua vez, é fundamental destacar que as sociedades mesopotâmicas eram fundamentalmente agrárias, com produções agrícolas associadas às terras férteis da região entre os rios Tigres e Eufrates e descrito tradicionalmente dentro do conceito de modo de produção asiático. Finalmente, as sociedades mesopotâmicas são caracterizadas como politicamente centralizadas e militarizadas, nas quais os imperadores usualmente são associados a deuses ou a divindades, conforme a própria epopeia de Gilgamesh acaba por frisar. Portanto, a alternativa A também está incorreta, ao descrever tais sociedades como mercantis e pacifistas.