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Questão 3 Unesp 2020 - 1ª fase

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Questão 3

Padre Antônio Vieira Pressupostos e Subentendidos

Para responder às questões de 02 a 06, leia o trecho de uma carta enviada por Antônio Vieira ao rei D. João IV em 4 de abril de 1654.

No fim da carta de que V. M.1 me fez mercê me manda V. M. diga meu parecer sobre a conveniência de haver neste estado ou dois capitães-mores ou um só governador.

Eu, Senhor, razões políticas nunca as soube, e hoje as sei muito menos; mas por obedecer direi toscamente o que me parece.

Digo que menos mal será um ladrão que dois; e que mais dificultoso serão de achar dois homens de bem que um. Sendo propostos a Catão dois cidadãos romanos para o provimento de duas praças, respondeu que ambos lhe descontentavam: um porque nada tinha, outro porque nada lhe bastava. Tais são os dois capitães-mores em que se repartiu este governo: Baltasar de Sousa não tem nada, Inácio do Rego não lhe basta nada; e eu não sei qual é maior tentação, se a   1  , se a   2  . Tudo quanto há na capitania do Pará, tirando as terras, não vale 10 mil cruzados, como é notório, e desta terra há-de tirar Inácio do Rego mais de 100 mil cruzados em três anos, segundo se lhe vão logrando bem as indústrias.

Tudo isto sai do sangue e do suor dos tristes índios, aos quais trata como tão escravos seus, que nenhum tem liberdade nem para deixar de servir a ele nem para poder servir a outrem; o que, além da injustiça que se faz aos índios, é ocasião de padecerem muitas necessidades os portugueses e de perecerem os pobres. Em uma capitania destas confessei uma pobre mulher, das que vieram das Ilhas, a qual me disse com muitas lágrimas que, dos nove filhos que tivera, lhe morreram em três meses cinco filhos, de pura fome e desamparo; e, consolando-a eu pela morte de tantos filhos, respondeu-me: “Padre, não são esses os por que eu choro, senão pelos quatro que tenho vivos sem ter com que os sustentar, e peço a Deus todos os dias que me os leve também.”

São lastimosas as misérias que passa esta pobre gente das Ilhas, porque, como não têm com que agradecer, se algum índio se reparte não lhe chega a eles, senão aos poderosos; e é este um desamparo a que V. M. por piedade deverá mandar acudir. Tornando aos índios do Pará, dos quais, como dizia, se serve quem ali governa como se foram seus escravos, e os traz quase todos ocupados em seus interesses, principalmente no dos tabacos, obriga-me a consciência a manifestar a V. M. os grandes pecados que por ocasião deste serviço se cometem.

(Sérgio Rodrigues (org.). Cartas brasileiras, 2017. Adaptado.)

1 V. M.: Vossa Majestade.

Considerando o contexto, as lacunas numeradas no terceiro parágrafo do texto devem ser preenchidas, respectivamente, por



a)

humildade e vaidade.

b)

 necessidade e cobiça

c)

miséria e inveja.

d)

preguiça e ganância

e)

avareza e luxúria.
 

Resolução

a) Incorreta. O fato de Baltasar de Sousa “não ter nada” não é suficiente para caracterizá-lo como alguém humilde, isto é, “consciente de suas limitações, modesto”. Além disso, a vaidade é a uma “valorização exacerbada dos próprios atributos”, o que não corresponde ao “desejo de ter” de Inácio do Rego.

b) Correta. Padre Vieira, ao utilizar o exemplo de Roma, menciona dois capitães-mores propostos por Catão: Baltasar de Sousa e Inácio do Rego. O primeiro é caracterizado “por não ter nada” e o segundo por “nada lhe bastar”, ou seja, por nada ser suficiente para lhe satisfazer, contentar. Nesse sentido, os adjetivos adequados, para sanar as lacunas do terceiro parágrafo, seriam: necessidade, ou seja, “aquilo que é indispensável, essencial”; e cobiça, que é o “sentimento ou impulso de quem quer intensamente ter, obter ou acumular riqueza”.

c) Incorreta. O fato de Baltasar de Sousa “não ter nada” poderia ser visto como uma situação de miséria, ou seja, uma situação de extrema pobreza; porém, a inveja, que é o “misto de desgosto e ódio provocado pelo sucesso ou pelas posses de outrem” não corresponde à característica de querer insaciavelmente “obter e acumular riqueza”, atribuída a Inácio do Rego.

d) Incorreta. A ganância seria apropriada ao comportamento de Inácio do Rego, porém o texto não menciona uma “falta de vontade de trabalhar ou lentidão nas ações” por parte de Baltasar de Sousa.

e) Incorreta. Baltasar de Sousa “não tinha nada” e, por isso, não pode ser qualificado como avarento (aquele que possui apego excessivo aos bens materiais). Seria incorreto, também, a classificação do comportamento de Inácio do Rego como luxurioso, ou seja, “lascivo, excessivamente sexual”, pois não há qualquer menção a esse aspecto.