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Questão 35 Unesp 2020 - 1ª fase

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Questão 35

Escravidão Tráfico negreiro

Leia o texto e observe o mapa para responder às questões 34 e 35.


Nem existia Brasil no começo dessa história. Existiam o Peru e o México, no contexto pré-colombiano, mas Argentina, Brasil, Chile, Estados Unidos, Canadá, não. No que seria o Brasil, havia gente no Norte, no Rio, depois no Sul, mas toda essa gente tinha pouca relação entre si até meados do século XVIII. E há aí a questão da navegação marítima, torna-se importante aprender bem história marítima, que é ligada à geografia. [...] Essa compreensão me deu muita liberdade para ver as relações que Rio, Pernambuco e Bahia tinham com Luanda. Depois a Bahia tem muito mais relação com o antigo Daomé, hoje Benin, na Costa da Mina. Isso formava um todo, muito mais do que o Brasil ou a América portuguesa. [...]

Nunca os missionários entraram na briga para saber se o africano havia sido ilegalmente escravizado ou não, mas a escravidão indígena foi embargada pelos missionários desde o começo, e isso também é um pouco interesse dos negreiros, ou seja, que a escravidão africana predomine. [...] A escravização tem dois processos: o primeiro é a despersonalização, e o segundo é a dessocialização.

(Luiz Felipe de Alencastro. Entrevista a Mariluce Moura. “O observador do Brasil no Atlântico Sul”. In: Revista Pesquisa Fapesp, no 188, outubro de 2011.)

A “despersonalização” e a “dessocialização” dos escravizados podem ser associadas, respectivamente,
 



a)

ao fato de que os escravos eram identificados por números marcados a ferro e à interdição do contato entre os cativos e seus senhores.
 

b)

à noção do escravo como mercadoria e ao fato de que os africanos eram extraídos de sua comunidade de origem.
 

c)

à noção do escravo como tolerante ao trabalho compulsório e ao fato de que ele era proibido de fazer amizades ou constituir família.
 

d)

ao fato de que os escravos eram etnologicamente indistintos e à proibição de realização de festas e cultos.

e)

à noção do escravo como desconhecedor do território colonial e ao fato de que ele não era reconhecido como brasileiro.
 

Resolução

As noções de "despersonalização" e "dessocialização" foram desenvolvidas pelo antropólogo econômico Claude Meilassoux na obra Antropologia da escravidão. De acordo com o autor, a escravização opera esses dois processos no indivíduo. Ao ser escravizado,  a pessoa passa por uma dessocialização na medida em que é extraída de sua comunidade originária e levada a outro lugar, abandonando aspectos de sua cultura, língua e religião. Nesse sentido, o escravo passa a ser permanentemente um estrangeiro inserido forçosamente em outro ambiente. A partir de então, o escravizado  é despersonalizado, ou seja, passa a ser entendido como uma mercadoria. Vale destacar aqui que a "noção do escravo como mercadoria" deve ser associada exclusivamente ao seu estatuto jurídico, considerando que necessitavam, por exemplo, de um curador - representante, pois os cativos não eram considerados sujeitos jurídicos -  e eram impedidos de acumular pecúlio. Ou seja, é importante destacar que considerar o escravo como "coisa" não deve significar a retirada de sua humanidade e/ou negar a possibilidade de atuação e reação dentro do sistema escravista. 

Nota: Até meados da década de 1970, foi persistente na produção historiográfica a ideia de “anomia” relativa aos cativos, que consiste na ausência de normas ou nexos sociais que possibilitassem a mobilização e resistência desses contra seus opressores e o sistema escravista. Tratava-se de uma visão que entendia os escravos como coisas, destituindo-os de agência diante do sistema escravista. A historiografia recente tem produzido diversos trabalhos que contrariam essa tese, enfatizando os diversos espaços de resistência e criação forjados dentro do sistema escravista, sejam eles por meio de ações como rebeliões e fugas ou resistência no dia a dia, como a preservação de suas culturas e o estabelecimento de laços entre os próprios cativos. Nesse período da nova produção historiográfica, destacamos a obra Na senzala, uma flor (1999), de Robert Slenes. Esse importante trabalho trata da constituição de laços afetivos entre os cativos, representando uma contraposição à suposta anomia dos escravos.