No romance O amor nos tempos do cólera, Gabriel García Márquez relata os primeiros contatos do jovem médico Juvenal Urbino, um dos três protagonistas do romance, com o cólera.
O cólera se transformou em obsessão. Não sabia a respeito mais do que aprendera na rotina de algum curso marginal, e lhe parecera inverossímil que há apenas trinta anos tivesse causado na França, inclusive em Paris, mais de cento e quarenta mil mortes. Mas depois da morte do pai aprendeu tudo que se podia aprender sobre as diversas formas do cólera, quase como uma penitência para dar descanso à sua memória, e foi aluno do epidemiólogo mais destacado do seu tempo […], o professor Adrien Proust, pai do grande romancista. De modo que quando voltou à sua terra e sentiu vinda do mar a pestilência do mercado, e viu os ratos nos esgotos expostos e os meninos se revolvendo nus nas poças das ruas, não só compreendeu que a desgraça tivesse acontecido como teve a certeza de que se repetiria a qualquer momento.
(O amor nos tempos do cólera, 1985.)
A partir desse trecho, pode-se inferir que Juvenal Urbino
a) |
se preocupou em combater, no século XX, o retorno da epidemia de cólera na França, principalmente em Paris, constatando que a doença era transmitida pela urina de ratos. |
b) |
tivera seu pai morto pelo cólera ainda no século XIX, o que o motivou a investigar as causas dessa doença, no caso, microrganismos eucariotos transmitidos por ratos que se proliferam nos esgotos. |
c) |
viveu na Europa da Idade Média, quando ocorria a grande epidemia de cólera e quando ainda se acreditava que a doença era transmitida por vapores pestilentos dos esgotos. |
d) |
temia uma epidemia de cólera em sua cidade natal e, ainda no século XVIII, aprendeu com seu professor que a falta de saneamento básico favorece os surtos dessa virose. |
e) |
se interessou pela doença entre o final do século XIX e o início do século XX, percebendo que as pessoas que entravam em contato com fezes contaminadas contraíam cólera, uma doença transmitida por bactérias. |
O cólera se transformou em obsessão. Não sabia a respeito mais do que aprendera na rotina de algum curso marginal, e lhe parecera inverossímil que há apenas trinta anos tivesse causado na França, inclusive em Paris, mais de cento e quarenta mil mortes. Mas depois da morte do pai aprendeu tudo que se podia aprender sobre as diversas formas do cólera, quase como uma penitência para dar descanso à sua memória, e foi aluno do epidemiólogo mais destacado do seu tempo […], o professor Adrien Proust, pai do grande romancista. De modo que quando voltou à sua terra e sentiu vinda do mar a pestilência do mercado, e viu os ratos nos esgotos expostos e os meninos se revolvendo nus nas poças das ruas, não só compreendeu que a desgraça tivesse acontecido como teve a certeza de que se repetiria a qualquer momento. (O amor nos tempos do cólera, 1985.)
É pertinente salientar que, apenas a partir desse trecho, o candidato teria dificuldades para resolver a questão. Alguma informações externas eram necessárias: a obra de Gabriel García Márquez se ambienta na terra natal do autor, Colômbia, em Cartagena de las Índias, entre os anos de 1880 e 1930, e uma grande pandemia de cólera ocorreu na segunda metade do século XIX, entre 1846 e 1860. Além disso, a informação de que o médico higienista Adrien Proust viveu de 1834 a 1903 poderia também auxiliar o candidato.
a) Incorreta. O trecho em questão descreve que Juvenal Urbino não acreditava que, 30 anos antes do presente da narrativa, que se passa entre o final do século XIX e início do século XX, uma epidemia de cólera havia causado mais de 140 mil mortes na França, no entanto, motivado pela morte do pai pela doença, foi aluno de Adrien Proust, epidemiólogo famoso de seu tempo, e aprendeu tudo sobre o cólera. Com o retorno à sua terra natal, na Colômbia, observando ratos nos esgotos e meninos nas poças das ruas, entendeu como a catástrofe ocorreu 30 anos antes na Europa e percebeu que tudo poderia se repetir em sua terra natal. Assim, pela análise do trecho, não é possível afirmar que Juvenal Urbino se preocupou em combater o retorno da cólera, tampouco na França. Além disso, a doença não é transmitida pela urina de ratos, mas pela ingestão de água ou alimentos contaminados por fezes que contenham o vibrião da cólera.
b) Incorreta. Considerando o trecho em análise e sabendo-se que a grande pandemia de cólera na Europa ocorreu na segunda metade do século XIX, Juvenal Urbino teve seu pai morto pela doença ainda no século XIX e isso o motivou a estudar tudo sobre a doença com renomado especialista da época, Adrien Proust, no entanto, o vibrião da cólera é uma bactéria, ou seja, um microrganismo procarioto, desprovido de núcleo e organelas membranosas.
c) Incorreta. Primeiro, a obra se passa predominantemente em Cartagena de las Índias, na Colômbia. Segundo, grandes epidemias de cólera ocorreram no século XIX e a cólera é transmitida por contaminação fecal-oral direta ou pela ingestão de água ou alimentos contaminados, e não por vapores pestilentos dos esgotos, conforme indica a alternativa.
d) Incorreta. Juvenal Urbino realmente temia uma epidemia de cólera em sua cidade natal, haja vista o trecho a seguir: "Quando voltou à sua terra e sentiu vinda do mar a pestilência do mercado, e viu os ratos nos esgotos expostos e os meninos se revolvendo nus nas poças das ruas, não só compreendeu que a desgraça tivesse acontecido como teve a certeza de que se repetiria a qualquer momento." No entanto, seus estudos sobre a doença com Adrien Proust ocorreram na época de ambientação da narrativa, qual seja, entre o final do século XIX e início do século XX, além disso, embora a falta de saneamento básico favoreça o surto da doença como afirmado, a mesma não é causada por vírus, mas por uma espécie de bactéria, a Vibrio cholerae, transmitida por meio de alimentos mal lavados, malcozidos, água não tratada, dentre outros. Por isso, ela está intimamente relacionada com a falta de saneamento básico do local.
e) Correta. Juvenal Urbino só pode ter desenvolvido interesse pelo estudo do cólera na época de ambientação da história - entre o final do século XIX e início do século XX - ao perceber a relação entre o contato com fezes e o desenvolvimento da doença. A cólera é causada por uma bactéria que se estabelece no intestino humano, causando diarreia e perda de sais minerais. Sua disseminação é maior em lugares sem saneamento básico, fato que favorece a trasmissão oral-fecal.