Para responder às questões a seguir, leia um trecho do livro Criação imperfeita, do físico Marcelo Gleiser.
Nosso primeiro antepassado era tão fascinado quanto somos hoje pelo mistério da Criação. Nossos descendentes continuarão essa busca, tentando desvendar o sentido da existência. Somos, e seremos sempre, criaturas criadoras. Mas nosso foco precisa mudar. A ciência nos mostrou que a razão, motivada pela paixão da descoberta, é o instrumento mais poderoso que temos para responder a nossas pergun tas sobre o mundo natural. Dado que nossas primeiras explicações do mundo surgiram de imagens e narrativas míticas, não é surpreendente que a ciência carregue, nas suas raízes, a mesma expectativa mítica de explicações finais sobre o mundo, sobre nossa razão de ser. [...]
A despeito da nossa necessidade de encontrar perfeição e simetria em tudo, o poder criativo da Natureza vem de assimetrias e de imperfeições que se manifestam desde o mun do das partículas subatômicas ao Universo como um todo. Buscamos por simetrias perfeitas, criamos equações para descrevê-las, mas vemos que nossas soluções são apenas aproximações de uma realidade imperfeita. E assim deveria ser. Assimetria gera desequilíbrio, desequilíbrio gera transformação, transformação gera realização, a emergência de estrutura. Algumas das simetrias mais básicas da física de partículas devem ser violadas para que a matéria exista. A vida seria impossível sem a assimetria molecular, a quiralidade das biomoléculas. O Universo por inteiro talvez tenha surgido de uma flutuação quântica que emergiu do multiverso, uma entidade atemporal onde incontáveis possíveis universos coexistem. Segundo essa visão, o cosmo é produto de um acidente que carregava consigo as sementes da existência. De um início incerto e após uma expansão superacelerada, o cosmo evoluiu para gerar os elementos químicos mais leves. Em seguida, nuvens de hidrogênio e hélio, cercadas por véus invisíveis de matéria escura, entraram em colapso devido a sua própria gravidade para formar as primeiras estrelas e galáxias. Bilhões de anos mais tarde, em torno de uma estrela comum, um planeta banhado por vastos oceanos coletou os ingredientes necessários para a vida. Após colisões de enorme violência com asteroides e cometas, de incontáveis erupções vulcânicas, de turbulência furiosa nos oceanos, o planeta foi se acalmando. Da sopa primordial, moléculas interagiram e cresceram, interligando-se para formar a primeira criatura viva. Bilhões de anos mais tarde, nossos antepassados começaram a se questionar sobre a razão de sua existência. Sozinhos, contemplaram os céus, buscando nas estrelas pela sua origem.
(Criação imperfeita, 2024.)
De acordo com o físico Marcelo Gleiser,
a) |
a busca por explicações totalizantes sobre o mundo faz com que a ciência atual retome as antigas narrativas míticas. |
b) |
a busca por explicações totalizantes sobre o mundo aproxima a ciência atual das antigas narrativas míticas. |
c) |
em razão do espantoso avanço da ciência, nosso fascínio atual pelo mistério do Universo aumenta vertiginosamente. |
d) |
a despeito dos decisivos avanços tecnológicos, a ciência atual não pode prescindir das antigas explicações míticas. |
e) |
em razão dos assombrosos avanços tecnológicos, a ciência atual aproxima-se da possibilidade de uma explicação final sobre o Universo. |
a) Incorreta. A ciência não retoma as antigas narrativas míticas, apenas pode ser comparada a elas na medida em que também busca soluções totalizantes, tal como faziam os mitos.
b) Correta. No parágrafo de abertura de seu texto, Gleiser introduz a busca incessante da humanidade pelo conhecimento, mais precisamente a busca pela compreensão a respeito de como se dá o mistério da Criação. Afirma também que os seres humanos apresentariam uma características de criadores e sempre construíram mitos totalizantes simétricos. Em função disso, aponta que, mesmo na ciência (a qual é pautada pela razão como seu principal instrumento), ainda existe uma "expectativa mítica de explicações finais". Por isso, pode-se observar a aproximação entre ciência atual e antigas narrativas míticas.
c) Incorreta. O texto afirma que nosso fascínio pelo mistério do Universo sempre existiu, desde os primeiros antepassados, e não que ele aumentou vertiginosamente porque a ciência avançou.
d) Incorreta. Para Gleiser, a ciência já prescindiu das antigas explicações míticas, porque encontrou na razão o "instrumento mais poderoso para responder (...) perguntas". Sua relação com as antigas explicações míticas se refere apenas quanto a buscar explicações totalizantes.
e) Incorreta. Gleiser, em nenhum momento do texto, aponta para a busca ou descoberta de uma explicação final sobre o Universo. Ao contrário, sua argumentação indica que, embora exista a busca de uma "perfeição e simetria em tudo", cada vez mais, percebe-se que o Universo foi construído baseado numa série de assimetrias, de imperfeições, permitindo inferir a impossibilidade de uma explicação final.