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Questão 10 Fuvest 2025 - 2ª fase - dia 1

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Questão 10

textos filosóficos conotação

O texto a seguir é um fragmento de uma entrevista concedida pelo escritor e ativista socioambiental Ailton Krenak à jornalista Carol Macário (UOL-RJ).

Dados estatísticos são importantes para entender que metade das pessoas que votam no Brasil acreditam em fake news. Acreditam que está tudo bem na Amazônia e que quem atrapalha são as ONGs. Eu penso: será que essas pessoas são tão ignorantes que não são capazes de ver o que está acontecendo lá?

Não, elas não são. Porque elas não querem. Elas são negacionistas. A gente não pode ser ingênuo de achar que as pessoas estão querendo uma informação para que então possam mudar de ideia.

Por isso que eu acho que a ideia de combater deveria ser questionada. Em vez de jogar pérolas para os porcos, a gente deveria descobrir as camadas resilientes da sociedade e trabalhar com elas.

Quem sabe é possível identificar, na complexa sociedade moderna, os campos de resiliência social e investir neles. Seria uma comunicação pacífica e empática, para a gente ampliar o campo do conhecimento e não perder tempo com baixaria.

A gente precisa experimentar um outro fluir da vida. Porque a própria ideia de combater é uma ideia engajada na necropolítica. Quando a gente convoca uns aos outros ao combate, nós estamos aderindo à narrativa necropolítica. Porque o combate pressupõe um vencedor e um vencido.

A ideia da expressão embate é menos violenta do que combate, porque você pode experimentar uma situação onde as ideias estão em questão. Conceitos, ideias e narrativas são embates. Quando a gente vai para esse lugar do combate, a gente já está armado até os dentes. A gente não ouve o outro e nem o outro vê. É no escuro, na treva.

Disponível em https://lupa.uol.com.br/jornalismo/2023/06/05/ (Adaptado).

a) Levando-se em consideração os elementos presentes na formação da palavra “necropolítica” e os argumentos utilizados no texto, explique por que “a ideia de combater é uma ideia engajada na necropolítica”.

b) Em sua fala, Ailton Krenak utiliza a expressão “jogar pérolas para os porcos”. De acordo com o texto, a que se referem as palavras “pérolas” e “porcos”?

 

 

 



Resolução

a) A palavra “necropolítica” deriva da junção do prefixo necro-, do grego “nekrós”, que significa morte, e da palavra política (arte e ciência da organização e administração de um Estado, uma sociedade, uma instituição). Trata-se de um conceito, cunhado pelo filósofo camaronês Achille Mbembe, que questiona os limites da soberania quando o Estado escolhe quem deve viver e quem deve morrer. Ao longo da entrevista, o líder indigenista e filósofo Ailton Krenak discute a postura de combate aos negacionistas – aqueles que se recusam a aceitar a verdade ou a existência de algo, mesmo que haja evidências ou argumentos que o comprovem. Na visão de Krenak, a ideia de “combater” está associada à lógica necropolítica, pois pressupõe uma relação de confronto em que há vencedores e vencidos, o que pode levar à exclusão ou destruição do outro. Assim, transforma-se um debate em uma guerra simbólica (ou mesmo literal), na qual desumaniza-se o “outro lado” e perpetua-se a violência. Para ele, é preciso, nesse contexto, buscar uma convivência baseada no diálogo e na compreensão mútua.

b) Na expressão “jogar pérolas aos porcos”, as pérolas representam as informações sustentadas e comprovadas, aquelas que deveriam servir como base para que a sociedade construa seu senso crítico; enquanto os porcos representam os negacionistas, ou seja, aqueles que – deliberadamente, na visão do autor – se recusam a aceitar a verdade ou a existência de algo, ainda que haja evidências ou argumentos que o comprovem. Exemplo disso ocorre logo no início do texto, quando o líder indigenista afirma que “dados estatísticos são importantes para entender que metade das pessoas que votam no Brasil acreditam em fake news. Acreditam que está tudo bem na Amazônia e que quem atrapalha são as ONGs. Eu penso: será que essas pessoas são tão ignorantes que não são capazes de ver o que está acontecendo lá? Não, elas não são. Porque elas não querem. Elas são negacionistas. A gente não pode ser ingênuo de achar que as pessoas estão querendo uma informação para que então possam mudar de ideia.”

Nesse sentido, a expressão enfatiza o desperdício de esforços em tentar convencer quem já está fechado ao diálogo ou deliberadamente rejeita a verdade.