Bem-vinda!
“Eram faíscas suas palavras que me queimavam em
doses homeopáticas
durante todas as noites…
Foram longos anos, dia após dia perdendo um pouco
mais minha autoestima,
abrindo mão das roupas que gostava, dos estudos, do
trabalho e das amigas
fazendo de tudo pra evitar brigas,
mas ele sempre dizia que a culpa era minha.
Até que um dia, me empurrou, me acuou
como se eu pudesse caber em qualquer fresta,
encurralada,
me mandou ficar calada e, com medo, obedeci.
Eu pedia desculpa toda vez depois de falar
como se fosse um defeito de nascença querer me
colocar.
A minha casa se tornou um ambiente tão hostil e eu,
prisioneira das minhas próprias ideias,
acreditando que o amor era isso, esse abismo, onde só
um fala e o outro, fica omisso.
Precisei tirar forças de lugares sagrados
pra me afastar e reagir, recolher meus pedaços.
Meus olhos encheram de mar, eu desaguei,
decidi não mais me calar, denunciei!
E depois do silêncio quebrado,
meus pensamentos em guerra cessaram,
recuperei o fôlego e ouvi meu coração sendo grato.
Encontrei em mim um porto seguro, entendi que meu
corpo é meu lar
e, no caminho até ele, escolho
quem anda comigo e quem convido pra entrar.
Hoje, quando olho pra dentro, vejo uma nova mulher
renascendo,
eu celebro sua chegada e contemplo essa nova vida.
Sem medo, abro a janela de casa
e, com olhar de quem há tanto tempo esperava,
te pego pela mão e digo:
Seja bem-vinda!”
Mel Duarte. Colmeia - Poemas Reunidos.
A expressão bem-vinda usada no título e repetida no último verso faz alusão
a) |
ao aprisionamento da mulher que não consegue se libertar do poderio masculino. |
b) |
à guerra interior e à falta de forças da mulher oprimida, que aceita sua condição. |
c) |
ao renascimento da mulher que alcança, após a opressão, coragem para encontrar-se a si mesma. |
d) |
ao rebaixamento da mulher que se cala e se desculpa, perdendo aos poucos sua autoestima. |
e) |
à força da mulher que, mesmo hostilizada, tem poder para fazer entrar em sua casa quem a encurralava. |
a) Incorreta. Apesar de sentir-se aprisionada até certo ponto do poema, a mulher consegue se libertar da violência masculina: “Precisei tirar forças de lugares sagrados / pra me afastar e reagir, recolher meus pedaços. Meus olhos encheram de mar, eu desaguei, / decidi não mais me calar, denunciei!”.
b) Incorreta. A mulher não aceita sua condição, o que pode ser notado no trecho: “Meus olhos encheram de mar, eu desaguei, / decidi não mais me calar, denunciei!”.
c) Correta. A expressão “bem-vinda” é usada para celebrar (e dar boas-vindas) a “nova mulher” que está renascendo após sair de um relacionamento abusivo no qual sofria violência física e psicológica.
d) Incorreta. Ao decidir não mais se calar, a mulher consegue encontrar a paz e recuperar sua autoestima: “decidi não mais me calar, denunciei! / E depois do silêncio quebrado, meus pensamentos em guerra cessaram, [...] Encontrei em mim um porto seguro, entendi que meu corpo é meu lar”.
e) Incorreta. Quem entra em sua casa é a própria mulher, agora em uma nova versão. Quem a encurralava é seu abusador, que foi afastado após a denúncia realizada.