O funcionário público como personagem literário ganha destaque na literatura brasileira a partir dos anos 1930. Uma explicação para esse fenômeno está na tematização, por parte dos escritores, das mudanças do papel do Estado brasileiro na constituição do mercado de trabalho assalariado e como agente da modernização do país:
“De 1930 em diante, foram criadas dezenas de comissões, instituições e órgãos de planejamento e/ou de promoção das atividades econômicas, notadamente as ligadas às atividades agrícolas e àquelas voltadas para a industrialização.”
MATTOS, Fernando Augusto Mansor de. A trajetória do emprego público no Brasil desde o início do século XX. Ensaios FEE, v.36, n.1, p.95, jun.2015.
No romance Os ratos, de Dyonélio Machado, o funcionalismo público configura-se como
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solução final para o conflito básico da narrativa, uma vez que é a partir de seu emprego público que o protagonista do romance obtém recursos para superar as limitações financeiras que, inicialmente, impulsionam sua perambulação pela cidade. |
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principal opção de sobrevivência para os homens livres da sociedade brasileira recém-saída da escravidão, em especial para os personagens negros, a quem era impossível, de outro modo, alçar posições nos estratos sociais mais elevados. |
c) |
retrato da constituição de uma cultura organizacional ligada ao Estado, cuja dinâmica conduz, ao longo do século XX, ao desenvolvimento econômico do país e à vertiginosa ascensão social das classes médias, apontada pelo desfecho positivo do romance. |
d) |
opção de ocupação para as camadas médias da sociedade brasileira, que, embora constitua meio legítimo de sobrevivência, acaba por marginalizá-las pela precarização dos ganhos e a desvalorização do trabalho, como retrata a trajetória do protagonista. |
e) |
estrutura de trabalho de cunho patrimonialista, cujas posições de autoridade são ocupadas pelas camadas proprietárias e na qual a distribuição de cargos públicos, entre os quais o do protagonista, objetivava a garantia de apoio político e social. |
a) Incorreta. O cargo público de Naziazeno não é capaz de suprir suas necessidades materiais. Seus problemas devem-se justamente à baixa remuneração que o obriga, inclusive, a pedir empréstimos ao diretor de sua repartição para sanar suas dívidas, o que o coloca em uma situação de humilhação e rebaixamento.
b) Incorreta. Naziazeno não é descrito como um homem negro e a questão racial do Brasil após a Abolição não é tematizada no romance.
c) Incorreta. Inserindo-se na tendência do “Romance de 30”, a obra de Dyonélio Machado apresenta uma visão crítica da sociedade brasileira, com o retrato de uma situação de subdesenvolvimento, atraso econômico e empobrecimento das classes médias urbanas. A obra não apresenta, portanto, uma representação positiva da realidade do país.
d) Correta. Naziazeno ocupa um cargo público numa repartição de Porto Alegre, porém, o salário que recebe é insuficiente para manter sua família. As despesas médicas com a doença do filho desequilibraram o orçamento familiar e o personagem se viu na impossibilidade de suprir as necessidades básicas, como o fornecimento do leite. No romance, essa situação ilustra a precariedade enfrentada por essa classe de funcionários.
e) Incorreta. O tema do patrimonialismo não é discutido no romance. O cargo público de Naziazeno não lhe garante uma situação econômica confortável nem, tampouco, é atrativo o suficiente para garantir o apoio político de quem o ocupa.