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Questão 2 Unesp 2025 - 2ª fase

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Questão 2

Independência da América Espanhola

  Como uma caixa de Pandora, as lutas pela independência [na América hispânica] espalharam desejos e aspirações sociais que pediam soluções imediatas, mas que nem sempre eram fáceis de ser alcançadas. A ideia da onipotência dos líderes não se coadunava com os imediatos e intrincados problemas que as lutas de independência haviam colocado e chocava-se tanto com os objetivos dos poderosos quanto com as aspirações daqueles que nada possuíam.

  Se, portanto, a independência aparece como uma frustração, como proclamaram tantos de seus protagonistas, é porque, antes de tudo, abriu a possibilidade de um desenlace diferente e despertou os sonhos adormecidos de muitos. Tempos de transformação trazem em si grandes esperanças e sua outra face, as inevitáveis frustrações. Os poderosos queriam tudo organizar e controlar. Os letrados, desencantados com a incapacidade de realizar seus sonhos, esqueceram que os processos históricos eram lentos, que o ritmo das mudanças não acompanhava a pressa dos atores sociais e que os ventos nem sempre sopravam na direção por eles desejada. Os humildes também se desesperaram, pois sua vida continuava dominada pela pobreza e opressão e tratada com desdém e desrespeito.

(Maria Ligia Coelho Prado. América Latina no século XIX: tramas, telas e textos, 1999.)

a) No contexto dos movimentos de independência na América hispânica, caracterize dois dos grupos citados no excerto: os “poderosos” e os “letrados”.

b) Relacione e justifique duas afirmações do excerto: “a independência aparece como uma frustração” e “Os humildes também se desesperaram, pois sua vida continuava dominada pela pobreza e opressão”.

 



Resolução

Os movimentos de independência na América hispânica, no início do século XIX, foram impulsionados por uma combinação de fatores internos e externos, como a influência dos ideais iluministas, o impacto das revoluções americana e francesa e a crise da monarquia espanhola após a invasão napoleônica. Esses eventos abriram espaço para que grupos locais questionassem a dominação colonial e lutassem pela emancipação política. Contudo, embora tivessem a liberdade como bandeira, esses processos muitas vezes reforçaram as desigualdades sociais e frustraram as aspirações populares, ao beneficiarem principalmente as elites criollas e manterem as estruturas de exclusão herdadas do sistema colonial.

a) Os “poderosos” mencionados no excerto referem-se às elites criollas, que detinham o controle econômico e social durante o período colonial e continuaram a exercer uma posição de destaque após as independências. Compostas por grandes proprietários de terras, mineradores e comerciantes, essas elites buscavam a ruptura com a metrópole espanhola para consolidar seu domínio local e eliminar os entraves impostos pelo monopólio colonial. Entretanto, elas não estavam interessadas em promover mudanças que comprometessem seus privilégios, como a redistribuição de terras, abolição das formas de trabalho compulsório ou a inclusão das massas populares no poder político. Assim, os “poderosos” atuaram como agentes de continuidade, usando as independências como uma oportunidade de reforçar seu controle sobre os recursos e a estrutura social.
Já os “letrados” eram os intelectuais da época, influenciados pelos ideais do Iluminismo e por concepções modernas de política, liberdade e igualdade. Muitos desses indivíduos, oriundos da elite cultural ou de camadas urbanas emergentes, foram responsáveis por formular os projetos de nação e os discursos que justificavam a emancipação política. Sonhavam com repúblicas que implementassem reformas profundas, como a criação de governos representativos e a modernização das estruturas sociais. No entanto, frequentemente se desiludiram diante da resistência das elites econômicas e das dificuldades de organizar sociedades marcadas por enormes desigualdades. Essa frustração era fruto de um choque entre as aspirações revolucionárias e a realidade de um cenário político dominado pelos interesses conservadores dos poderosos.

b) As afirmações “a independência aparece como uma frustração” e “os humildes também se desesperaram, pois sua vida continuava dominada pela pobreza e opressão” refletem diferentes aspectos do impacto das independências na América hispânica. A frustração mencionada no texto não se limita às camadas populares, embora elas tenham sido as mais afetadas. Ela abrange também os setores intelectuais e reformistas - os “letrados” - que esperavam mudanças mais profundas e estruturais nas novas nações independentes.
Para as camadas populares, a frustração foi concreta e imediata. Indígenas, afrodescendentes, mestiços e camponeses pobres, que muitas vezes participaram das lutas de independência motivados pela promessa de liberdade, terra e melhoria de suas condições de vida, não viram suas expectativas atendidas. As elites criollas, que assumiram o poder após a ruptura com a metrópole, priorizaram a manutenção da ordem social e econômica herdada do sistema colonial, assegurando seus próprios privilégios e relegando as massas populares ao mesmo estado de pobreza, marginalização, opressão e exclusão, alimentando o sentimento de traição e desesperança entre os setores mais humildes da sociedade. 
Para os letrados, a frustração teve uma dimensão política e ideológica. Influenciados pelos ideais iluministas, eles projetaram um futuro em que as independências resultariam na criação de sociedades republicanas, baseadas em princípios de igualdade e participação cidadã. No entanto, a realidade foi marcada pela dificuldade de implementar essas visões, seja pela resistência das elites econômicas, seja pelas complexidades e instabilidades das novas repúblicas. A manutenção das desigualdades sociais e a incapacidade de atender às demandas populares comprometeram os projetos idealizados, deixando os intelectuais desencantados com os rumos tomados pelos novos Estados.
Portanto, a independência aparece como uma frustração porque, ao romper com a dominação colonial, abriu um horizonte de possibilidades que não se concretizou. Para os humildes, significou a continuidade de sua opressão e exclusão. Para os letrados, foi o choque entre seus ideais transformadores e a realidade de um processo político dominado pelas elites conservadoras. Esses dois aspectos se entrelaçam e ajudam a explicar por que, apesar de seu significado político, as independências foram vivenciadas como um momento de grandes esperanças frustradas.