TEXTO 1
Designa-se “virada linguística” o paradigma pelo qual a investigação dos problemas filosóficos é indissociável de um exame da estrutura lógica ou discursiva que os enuncia. A tradição filosófica poderia ser dividida em três grandes períodos: (i) um primeiro, dedicado ao estudo de questões sobre o Ser, isto é, sobre a essência da realidade; (ii) um segundo, no qual a pergunta pela essência da realidade deveria ser precedida por uma crítica da certeza e da extensão de nosso conhecimento; (iii) com a virada linguística, um terceiro momento, pelo qual o exame do real e da maneira que o conhecemos exigiria antes uma análise lógico-linguística.
(Evaldo Sampaio. “A virada linguística e os dados imediatos da consciência”. Trans/Form/Ação, 2017. Adaptado.)
TEXTO 2
A linguagem — diz o “segundo Wittgenstein” — funciona em seus usos, não cabendo, portanto, indagar sobre os significados das palavras, mas sobre suas funções práticas. Estas são múltiplas e variadas, constituindo múltiplas linguagens [...]. Em outros termos, poder-se-ia dizer que o correntemente chamado linguagem é, na verdade, um conjunto de “jogos de linguagem”, entre os quais poderiam ser citados seus empregos para indagar, consolar, indignar-se, ou descrever. [...] não há, para Wittgenstein, uma única função comum das expressões da linguagem, nem mesmo algo que possa ser considerado como o jogo de linguagem. O que se pode dizer que existe são certas semelhanças, ou, nas palavras do próprio Wittgenstein, certo “ar de família”, certos parentescos que se combinam, se entrecruzam, se permutam.
(Armando Mora D’Oliveira. “Vida e obra”. In: Ludwig Wittgenstein. Investigações filosóficas, 1999.)
a) De acordo com a “virada linguística” citada no texto 1, como a linguagem se relaciona à filosofia? Qual a implicação filosófica da “virada linguística”?
b) A partir do texto 2, o que são os “jogos de linguagem” formulados por Wittgenstein? Como os “jogos de linguagem” contribuem para a “virada linguística”?
Questão 10.A - A "virada linguística" constitui a terceira grande fase paradigmática da Filosofia. Presente desde os primórdios do filosofar, a reflexão sobre a realidade e o ser exige formas de expressar aquilo que a razão exercitou. A linguagem ganha protagonismo na transição do século XIX para o XX, quando diversos filósofos, sobretudo aqueles ligados ao movimento chamado Círculo de Viena, alertaram sobre como o uso da palavra interfere na reflexão filosófica. Para eles, antes de investigar o real em si, é necessário compreender como a linguagem se relaciona com ele. De outro modo, como seria possível estabelecer a melhor relação possível entre o fato dado e a descrição mais fidedigna sobre ele? Dessa maneira, os filósofos de Viena e a virada linguística inauguram o positivismo lógico, uma posição filosófico-linguística que afirma que um enunciado é verdadeiro se, e somente se, descrever o fato como se apresenta de forma empírica, eliminando figuras de linguagem e interpretações que podem conduzir a razão ao erro.
Questão 10.B - Para Wittgenstein, o significado de uma palavra ou proposição não se estabelece pela ordem gramatical dada, pela sintaxe, nem pela sua descrição mais ou menos fiel ao objeto descrito, mas, sim, pelo seu uso dentro da situação linguística estabelecida, isto é, a partir do contexto em que é utilizada, como se fosse um jogo no qual o importante é saber como e onde utilizar a melhor peça. Para fins de exemplo, podemos pensar na palavra "manga", que tanto se refere à fruta como à parte do tecido que cobre os braços em uma peça de roupa. Essa posição reflete a segunda fase do pensamento de Wittgenstein, menos influenciado pelo positivismo lógico e mais compreensivo da linguagem como prática social e cultural. Apesar de, como dito, distanciar a análise filosófica de um estrito exame linguístico, a noção de jogo de linguagem é importante, pois chama a atenção para como equívocos interpretativos e conceituais advêm justamente da incompreensão das palavras e conceitos a partir de sua origem e uso corrente.