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Questão 9 Unesp 2025 - 1ª fase

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Questão 9

Modernismo Oswald de Andrade social

Para responder às questões de 09 a 11, leia um trecho do Manifesto da Poesia Pau-Brasil, de Oswald de Andrade, publicado há exatos 100 anos, em 1924.

    A poesia existe nos fatos. Os casebres de açafrão e de ocre nos verdes da Favela, sob o azul cabralino, são fatos estéticos.

O Carnaval no Rio é o acontecimento religioso da raça. Pau-Brasil. Wagner submerge ante os cordões de Botafogo. Bárbaro e nosso. A formação étnica rica. Riqueza vegetal. O minério. A cozinha. O vatapá, o ouro e a dança. [...]

    A nunca exportação de poesia. A poesia anda oculta nos cipós maliciosos da sabedoria. Nas lianas1 da saudade universitária. [...]

    A língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos. [...]

    A reação contra o assunto invasor, diverso da finalidade. A peça de tese era um arranjo monstruoso. O romance de ideias, uma mistura. O quadro histórico, uma aberração. A escultura eloquente, um pavor sem sentido.

(Gilberto Mendonça Teles (org.). Vanguarda europeia e modernismo brasileiro, 1992.)

1 liana: cipó.


“A língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos.” (4o parágrafo)

Atende particularmente a esse princípio estético do manifesto (podendo até mesmo ser visto como um desdobramento dele) o seguinte poema de Oswald de Andrade (publicado em 1925):



a)

A couve mineira tem gosto de bife inglês 
Depois do café e da pinga 
O gozo de acender a palha 
Enrolando o fumo 
De Barbacena ou de Goiás 
Cigarro cavado 
Conversa sentada

b)

Sente-se diante da vitrola 
E esqueça-se das vicissitudes da vida 
Na dura labuta de todos os dias 
Não deve ninguém que se preze 
Descuidar dos prazeres da alma 
Discos a todos os preços

c)

Para dizerem milho dizem mio 
Para melhor dizem mió 
Para pior pió 
Para telha dizem teia 
Para telhado dizem teiado 
E vão fazendo telhados

d)

Depois da churrascada 
Ao fogo e ao vento 
O cavaleiro do gado 
Trouxe ouro em pó 
E uma cuia festiva 
Para sorvermos a digestão

e)

Meu amigo 
Foi-me impossível vir hoje 
Porque Armando veio comigo 
Como se foras tu 
Necessito muito de algum dinheiro 
Arranja-mo 
Deixo-te um beijo na porta 
Da garçonnière 
E sou a sinceridade

Resolução

O quarto parágrafo do Manifesto da Poesia Pau-Brasil, de Oswald de Andrade, retomado no enunciado da questão, defende a utilização, na produção poética, de um registro linguístico oral, popular e espontâneo (“Como falamos. Como somos”), que se afasta da linguagem erudita e da gramática normativa. Assim, há uma exaltação da transgressão gramatical (“A contribuição milionária de todos os erros”) como forma de aproximar a poesia da cultura popular.

a) Incorreta. O poema apresenta alguns elementos do cotidiano de determinadas regiões do Brasil, notadamente ligadas ao ambiente rural, como o interior dos estados de Minas Gerais e de Goiás. Observa-se, assim, a inserção da cultura popular na poesia. No entanto, a linguagem utilizada segue a norma padrão e, portanto, não está relacionada ao trecho do manifesto apresentado no enunciado.

b) Incorreta. O poema exalta a ideia de aproveitamento dos "prazeres da vida", por meio da música, em um movimento de afastamento dos problemas da vida cotidiana. A linguagem empregada segue a norma padrão e apresenta alguns vocábulos que se distanciam da linguagem informal popular, como "vicissitudes" e "labuta". Dessa forma, o poema não pode ser relacionado ao princípio estético apresentado no quarto parágrafo do manifesto.

c) Correta. Ao longo desse poema, é estabelecida uma oposição entre a pronúncia/escrita de determinadas palavras de acordo com a norma padrão (“milho”, “melhor”, “pior”, “telha” e “telhado”) e a maneira como esses vocábulos são falados por uma parcela das classes populares brasileiras (“mio”, “mió”, “pió”, “teia” e “teiado”). No último verso, ao afirmar que são essas pessoas as responsáveis pela construção dos "telhados", o poeta explicita a importância dos trabalhadores e, por conseguinte, da cultura popular, inclusive em sua manifestação linguística. Dessa forma, o poema pode ser visto como exemplo do princípio estético exposto no quarto parágrafo do manifesto.

d) Incorreta. De forma semelhante ao que se verifica na alternativa "a", o poema traz elementos da cultura brasileira na região Sul do país, como a "churrascada", a criação de gado e a referência ao chimarrão ("Trouxe ouro em pó / E uma cuia festiva / Para sorvermos a digestão"). A linguagem, porém, segue a norma padrão e, portanto, não está relacionada ao trecho do manifesto apresentado no enunciado.

e) Incorreta. Nesse poema, valendo-se de elementos comuns a uma carta ou bilhete, o poeta simula, de forma humorada, uma situação de comunicação entre amigos e a necessidade de um empréstimo. A linguagem empregada é formal, como se verifica, por exemplo, na colocação pronominal e no uso de constrações antigas de pronomes ("mo"). Além disso, recorre a um estrangeirismo ("garçonnière"). Desse modo, não há relação entre esse poema e o quarto parágrafo do manifesto.