Para responder às questões de 16 a 20, leia o trecho de uma crônica de José de Alencar, publicada originalmente em 03.09.1854.
Um belo dia, não sei de que ano, uma linda fada, que chamareis como quiserdes, a poesia ou a imaginação, tomou-se de amores por um moço de talento, um tanto volúvel como de ordinário o são as fantasias ricas e brilhantes que se deleitam admirando o belo em todas as formas. Ora, dizem que as fadas não podem sofrer a inconstância, no que lhes acho toda a razão; e por isso a fada de meu conto, temendo a rivalidade dos anjinhos cá deste mundo, onde os há tão belos, tomou as formas de uma pena, pena de cisne, linda como os amores, e entregou-se ao seu amante de corpo e alma.
Não serei eu que desvendarei os mistérios desses amores fantásticos, e vos contarei as horas deliciosas que corriam no silêncio do gabinete, mudas e sem palavras. Só vos direi, e isto mesmo é confidência, que, depois de muito sonho e de muita inspiração, a pena se lançava sobre o papel, deslizava docemente, brincava como uma fada que era, bordando as flores mais delicadas, destilando perfumes mais esquisitos que todos os perfumes do Oriente. As folhas se animavam ao seu contato, a poesia corria em ondas de ouro, donde saltavam chispas brilhantes de graça e espírito.
Por fim, a desoras1, quando já não havia mais papel, quando a luz a morrer apenas empalidecia as sombras da noite, a pena trêmula e vacilante caía sobre a mesa sem forças e sem vida, e soltava uns acentos doces, notas estremecidas como as cordas da harpa ferida pelo vento. Era o último beijo da fada que se despedia, o último canto do cisne moribundo.
Assim se passou muito tempo; mas já não há amores que durem sempre, principalmente em dias como os nossos, nos quais o símbolo da constância é uma borboleta. Acabou o poema fantástico no fim de dois anos; e um dia o herói do meu conto, chamado a estudos mais graves, lembrou-se de um amigo obscuro, e deu-lhe a sua pena de ouro.
(José de Alencar. Crônicas escolhidas, 1995.)
1desoras: altas horas da noite.
“temendo a rivalidade dos anjinhos cá deste mundo, [...] tomou as formas de uma pena [...] e entregou-se ao seu amante de corpo e alma.” (1º parágrafo)
Em relação ao trecho que a sucede, a oração sublinhada expressa ideia de
a) |
comparação. |
b) |
condição. |
c) |
concessão. |
d) |
consequência. |
e) |
causa. |
O trecho em questão é encontrado no primeiro parágrafo dentro do seguinte contexto "e por isso a fada de meu conto, temendo a rivalidade dos anjinhos cá deste mundo, onde os há tão belos, tomou as formas de uma pena, pena de cisne, linda como os amores, e entregou-se ao seu amante de corpo e alma".
a) Incorreta. Não ocorre comparação entre os elementos "anjinhos" e "rivalidade" com "amante" e "corpo e alma", tampouco entre os verbos 'temer' e 'entregar'.
b) Incorreta. Temer a rivalidade dos anjinhos não se apresenta como condição para que a fada tome a forma de uma pena e se entregue ao amante.
c) Incorreta. O fato de temer a rivalidade dos anjinhos não se mostra como um indicativo de que se está apresentando uma quebra de expectativa, uma oposição/concessão ao fato de a fada tomar as formas de pena e entregar-se ao amante.
d) Incorreta. A relação é oposta: o trecho sublinhado é a causa que provoca como consequência o que se apresenta no trecho sucedâneo, ou seja, a consequência é exatamente o tomar as formas de pena e entregar-se ao amante.
e) Correta. A fada toma as formas de uma pena e se entrega ao amante de corpo e alma, porque apresenta como causa seu temor pela rivalidade dos anjinhos "cá deste mundo".