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Questão 58 Unicamp 2020 - 1ª fase

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Questão 58

História do cerco de Lisboa

Ao descrever a rotina do protagonista Raimundo Silva, o narrador da História do Cerco de Lisboa afirma que só restaram fragmentos dos sonhos noturnos, “imagens insensatas aonde a luz não chega, indevassáveis até para os narradores, que as pessoas mal informadas acreditam terem todos os direitos e disporem de todas as chaves.”

(José Saramago, História do Cerco de Lisboa. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p.122.)

Com base nesse excerto e relacionando-o ao conjunto do romance, é correto afirmar que o narrador é



a)

polifônico, pois, ao considerar todos os pontos de vista das personagens, relativiza a visão de mundo e respeita a privacidade delas.

b)

observador, pois dissimula sua avaliação política da realidade ao se mostrar empático ao mundo das personagens.

c)

protagonista, pois, ao fazer parte da própria narrativa,  assemelha-se às demais personagens e não pode duvidar dos protocolos necessários para contar a história de Portugal.

d)

onisciente, pois simula ser tolerante com a pluralidade de vozes narrativas, mas é a singularidade de seu modo de narrar que produz a coesão e a autonomia da narração.

Resolução

a) Incorreta. De fato, verifica-se a presença da polifonia no romance, uma vez que, além do narrador em terceira pessoa, o personagem Raimundo Silva assume a voz narrativa ao escrever o livro sobre a história do cerco de Lisboa na qual os cruzados não ajudaram os portugueses a tomar a cidade. Nessa segunda história, há o entrecruzamento das vozes dos mouros e dos portugueses, de modo que a narrativa rompe com o estilo monofônico tradicional. Considerando tais características, pode-se afirmar que o narrador do romance relativiza a visão de mundo ao apresentar outros pontos de vista em relação a esse episódio histórico. A alternativa, contudo, está incorreta, pois afirma que o narrador respeita a privacidade das personagens, o que não se verifica no andamento da história, em que ele procura retratar os pensamentos e desejos dos personagens.

b) Incorreta. Ao mostrar-se empático ao mundo das personagens, em especial aquelas que ocupam posições subalternas, como o revisor, o narrador explicita sua avaliação política e não a dissimula.

c) Incorreta. Em História do cerco de Lisboa, há duas narrativas: a primeira é a história do revisor Raimundo Silva, que transgride o código dos revisores e insere um “não” no texto original, alterando seu sentido. A segunda é a narrativa que o personagem Raimundo Silva passa a escrever sobre a história do cerco de Lisboa, na qual os cruzados não ajudam os portugueses. Assim, o narrador da primeira história é um narrador em 3ª pessoa, não sendo, portanto, um personagem que faça parte dessa narrativa.

d) Correta. O verbo “simular” presente nessa alternativa deve ser tomado no sentido de “fazer simulacro de”, “fazer parecer real” (o que não o é). Assim, pode-se considerar que o narrador simula haver uma tolerância com a pluralidade das vozes da narrativa, como se os personagens do romance tivessem autonomia para tomar a palavra de modo a interferir ativamente no andamento da narrativa. Entretanto, não se pode perder de vista que, acima desse conjunto de vozes, está o narrador que, como um bom contador de histórias, coordena os diferentes fios narrativos, articulando os discursos dos personagens de modo a produzir coesão e autonomia da narração.