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Questão 62 Unicamp 2020 - 1ª fase

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Questão 62

A cabra vadia

No livro A cabra vadia: novas confissões, Nelson Rodrigues inicia a crônica “Os dois namorados” com a seguinte afirmação:

“há coisas que um grã-fino só confessa num terreno baldio, à luz de archotes, e na presença apenas de uma cabra vadia.”

Na crônica “Terreno baldio” ele recorre ao mesmo animal para explicar a ideia que teve de criar “entrevistas imaginárias”:

“Não podia ser um gabinete, nem uma sala. Lembrei-me, então, do terreno baldio. Eu e o entrevistado e, no máximo, uma cabra vadia. Além do valor plástico da figura, a cabra não trai. Realmente, nunca se viu uma cabra sair por aí fazendo inconfidências.”

(Nelson Rodrigues, A cabra vadia: novas confissões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2016, p. 52 e160.)
 

O caráter confessional associado à figura da cabra nas crônicas tem relação com



a)

a veracidade dos depoimentos que o cronista testemunha nas entrevistas.

b)

a impostura dos contemporâneos que são objeto dos comentários do cronista.

c)

a antipatia do jornalista no que diz respeito à busca de identidade dos artistas entrevistados.

d)

a sinceridade dos intelectuais que são objeto das crônicas dos jornalistas.

Resolução

a) Incorreta. Baseado em sua experiência como jornalista, Nelson Rodrigues afirmava que nenhuma entrevista era verdadeira, uma vez que os entrevistados eram hipócritas e não falavam aquilo que realmente sentiam ou pensavam. Em vista disso, ele cria as “entrevistas imaginárias”, de caráter ficcional, nas quais seria possível acessar a suposta verdade dos entrevistados que, no terreno baldio, na presença da cabra vadia, poderiam confessar seus mais secretos pensamentos. De qualquer forma, em nenhum dos dois tipos de entrevista – a real e a imaginária – a veracidade estaria presente.

b) Correta. Pode-se considerar “impostura” como ato ou dito do impostor, artifício para enganar ou ainda calúnia ou mentira. Para Nelson Rodrigues, muitas figuras públicas de seu tempo, que gozavam de consideração pública, agiam como impostores, uma vez que externalizam opiniões que seriam aprovadas pela sociedade e que lhes garantiriam popularidade. O modo que o cronista encontrou para criticar o oportunismo e a hipocrisia de tais figuras foi criar a situação da entrevista imaginária que ocorreria à meia-noite, num terreno baldio, sem a vigilância do público, tendo somente como testemunha uma cabra vadia, animal conhecido por ser confiável e por não fazer inconfidências, isto é, por não revelar segredos e indiscrições. Assim, nessa situação ficcional inusitada, o “entrevistado” expressaria suas “verdadeiras” opiniões, pois saberia que elas não seriam divulgadas e que seus segredos estariam bem guardados. Note-se que a pretensão do autor não era revelar a verdade sobre o suposto entrevistado, mas evidenciar as contradições que, segundo ele, estavam presentes nos discursos públicos dessas pessoas.

c) Incorreta. A questão da busca da identidade dos entrevistados não era o objetivo do jornalista, mas sim a investigação sobre suas posturas e declarações públicas.

d) Incorretas. Para Nelson Rodrigues, não apenas os intelectuais, mas personalidades de várias áreas, não eram sinceros nas entrevistas que concediam aos jornalistas. Assim, em seus textos, o cronista faz a crítica a esse comportamento.