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Questão 81 Unicamp 2020 - 1ª fase

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Questão 81

Caminhos cruzados

Que dizer das personagens? Creio que têm a força e ao mesmo tempo a fraqueza da caricatura. Mas, pensando melhor, não poderemos também alegar em defesa do romancista que a caricatura é uma tendência reconhecida e aceita da arte moderna, principalmente da pintura? Não haverá muito de deformação na obra de grandes pintores como Portinari, Di Cavalcante e Segall – todos eles inconformados com a sociedade em que vivem?

(Adaptado de Erico Verissimo, Prefácio, em Caminhos Cruzados. São Paulo: Companhia das Letras, 2016, p. 20-21.)

Tarsila do Amaral, A negra, 1923. Coleção Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, São Paulo.

A ideia de deformação aplica-se ao quadro de Tarsila e ao romance Caminhos cruzados, de Érico Veríssimo, porque tal procedimento artístico acentua



a)

a crítica do modernismo à violência da escravidão e às desigualdades sociais, presentes no quadro e nas personagens do romance, respectivamente.

b)

o imaginário da burguesia nacional, pois tanto as protagonistas do romance quanto a imagem da mulher negra retratam os traços característicos das reformas  sociais do Estado Novo.

c)

os princípios estéticos do movimento modernista, pois as duas expressões artísticas apresentam-se como reflexo dos valores da elite cafeeira paulista.

d)

a moral implícita da modernidade, pois o narrador do livro e a representação do corpo negro criticam o comportamento social das personagens femininas no século XX.

Resolução

a) Correta. A tela A Negra, de Tarsila do Amaral, expõe as violências da escravidão à medida que apresenta as deformações físicas sofridas pelas negras escravizadas. Conforme afirma a própria autora, em entrevista realizada por Leo Gilson Ribeiro para a Revista Veja e publicada em 23 de fevereiro de 1972 (disponível em veja.abril.com.br/acervodigital): “Um dos meus quadros que fez muito sucesso quando eu o expus lá na Europa se chama A Negra. Porque eu tenho reminiscências de ter conhecido uma daquelas antigas escravas, quando eu era menina de cinco ou seis anos sabe? Escravas que moravam lá na nossa fazenda, e ela tinha os lábios caídos e os seios enormes, porque, me contaram depois, naquele tempo as negras amarravam pedras nos seios para ficarem compridos e elas jogarem para trás e amamentarem a criança presa nas costas.”. Já em Caminhos Cruzados, de Érico Veríssimo, a desigualdade social é criticada a partir da caracterização de personagens da elite como Leitão Leiria, Honorato Madeira e coronel Pedrosa, descritos de maneira jocosa e caricatural, chegando, por vezes, ao exagero.

b) Incorreta. Não é possível afirmar que a obra A Negra, de 1923, apresenta traços característicos das reformas sociais (como o estabelecimento de leis trabalhistas) do Estado Novo (1937-1945), logo, há uma inconsistência temporal.

c) Incorreta. O romance Caminhos Cruzados se passa na cidade de Porto Alegre e a obra de Tarsila do Amaral retrata uma mulher negra escravizada, imagens incoerentes com a afirmação do “reflexo dos valores da elite cafeeira paulista”.

d) Incorreta. Em Caminhos Cruzados, o narrador não faz uma crítica específica em relação às personagens femininas, mas, sim, à elite.