TEXTO I
Herança - o legado de crenças, conhecimentos, técnicas, costumes, tradições, transmitido por um grupo social de geração para geração; cultura.
HOUAISS, A.; VILLAR, M. S. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009 (adaptado).
TEXTO II
As culturas africanas e afro-brasileiras foram relegadas ao campo do folclore com o propósito de confiná-las ao gueto fossilizado da memória. Folclorizar, nesse caso, é reduzir uma cultura a um conjunto de representações estereotipadas, via de regra, alheias ao contexto que produziu essa cultura.
OLIVEIRA, E. D. A epistemologia da ancestralidade. Entrelugares: revista da sociopoética e abordagens afins, 2009.
TEXTO III
PAULINO, R. Ainda a lamentar. In: GONÇALVES, A. M. Um defeito de cor: romance. Rio de Janeiro: Record, 2024 (adaptado).
TEXTO IV
História afro-brasileira nas escolas: professoras comentam avanços e dificuldades
As aulas sobre escravidão eram motivo de vergonha para uma professora quando ela estudava em uma escola municipal na zona sul de São Paulo. "Era o meu pior momento na escola", lembra a ex-aluna. Naquela época, a história da população negra no Brasil era reduzida ao horror do periodo escravocrata. Não se falava na escola sobre temas como a história e a cultura afro-brasileira, muito menos sobre as grandes personalidades negras do país, como Luiz Gama e Carolina Maria de Jesus.
A pedagoga, que é negra, tem orgulho de oferecer uma experiência diferente da que viveu em sala de aula para seus alunos. Agora os livros infantis levados para as turmas têm protagonistas pretos. Temas como a beleza do cabelo crespo e o combate ao racismo fazem parte do dia a dia da escola.
Disponivel em: https://jomal.unesp.br. Acesso em: 3 jun. 2024 (adaptado)
TEXTO V
Histórias para ninar gente grande
G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira (samba-enredo de 2019)
Brasil, meu nego
Deixa eu te contar
A história que a história não conta
O avesso do mesmo lugar
Na luta é que a gente se encontra
Brasil, meu dengo
A Mangueira chegou
Com versos que o livro apagou
Desde 1500 tem mais invasão do que descobrimento
Tem sangue retinto pisado
Atrás do herói emoldurado
Mulheres, tamoios, mulatos
Eu quero um país que não está no retrato
Brasil, o teu nome é Dandara
E a tua cara é de cariri
Não veio do céu
Nem das mãos de Isabel
A liberdade é um dragão no mar de Aracati
Salve os caboclos de julho
Quem foi de aço nos anos de chumbo
Brasil, chegou a vez
De ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês
Disponivel em: www.mangueira.com.br. Acesso em: 30 maio 2024 (fragmento).
TEXTO VI
Alunos de escola municipal conhecem pontos do Rio que retratam relação com a África
Foto: Brenno Carvalho/ O Globo
Alunos admiram grafite de Zumbi dos Palmares na Pedra do Sal.
Disponlvel em: www.oglobo.com. Acesso em: 29 maio 2024 (adaptado).
PROPOSTA DE REDAÇÃO
A partir da leitura dos textos motivadores e com base nos conhecimentos construídos ao longo de sua formação, redija texto dissertativo-argumentativo em modalidade escrita formal da língua portuguesa sobre o tema "Desafios para a valorização da herança africana no Brasil", apresentando proposta de intervenção que respeite os direitos humanos. Selecione, organize e relacione, de forma coerente e coesa, argumentos e fatos para defesa de seu ponto de vista.
O tema proposto pela prova de redação ENEM 2024 foi “Desafios para a valorização da herança africana no Brasil”. A discussão, como de costume, apresenta uma situação-problema que atinge o país e que, portanto, precisa de ações interventivas que a minimize. Neste ano, a banca optou por manter a tendência já verificada nos últimos anos, já que nos processos de 2022 e 2023 também balizou a discussão em “desafios” para a valorização de minorias sociais: respectivamente, povos e comunidade tradicionais e mulheres. O tema selecionado para este ano é atual e pertinente para avaliar a matriz do ensino médio, uma vez que, desde 2003, com a Lei 10.639, há obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-brasileira dentro das disciplinas que já fazem parte das grades curriculares dos ensinos fundamental e médio. A lei também estabelece o dia 20 de novembro como o Dia da Consciência Negra no calendário escolar. Logo, estando bem-informado sobre o tema, o candidato deve refletir sobre a falta de valorização, de reconhecimento e de visibilidade da herança africana em nosso país.
O primeiro texto da coletânea apresenta ao candidato o conceito, retirado do dicionário Houaiss, de herança, uma das balizas centrais da discussão. De acordo com verbete, uma herança é definida por um conjunto de conhecimentos e tradições que foram transmitidas por um grupo de geração em geração. Associando o conceito ao recorte temático, é pertinente relembrar que a herança africana foi subjugada como inferior por séculos – quando comparada com a europeia, por exemplo. Em vista disso, é possível inferir que, devido a uma visão eurocêntrica e racista, a herança africana foi sendo perdida e enfraquecida ao longo dos séculos. Ao optar por essa análise, repertórios socioculturais históricos são bem-vindos e relacionam-se adequadamente à temática.
O segundo texto afirma que as culturas africanas e afro-brasileiras foram “folclorizadas”, isto é, reduzidas a um conjunto de representações estereotipadas. Embora o excerto não mencione, cabe ao candidato refletir sobre quais são os estereótipos comumente relacionados à cultura afro e quais as causas disso. É pertinente refletir sobre o fato de que muitos preconceitos são gerados pelo desconhecimento. Nesse sentido, embora a Lei 10.639 seja um avanço rumo à informação, outras medidas são necessárias para que essa cultura passe a ser valorizada e não mais confinadas “ao gueto”.
O terceiro texto da coletânea é composto por elementos verbais e não verbais. Na imagem, extraída do romance “Um defeito de cor”, de Ana Maria Gonçalves, vê-se um indivíduo negro com uma mala amarrada em seu corpo por cordas. A bagagem, que parece pesada, faz com que o sujeito caminhe penosamente para que consiga levá-la consigo. Logo adiante, há um provérbio africano: “Quando não souberes para onde ir, olha pra trás e saiba pelo menos de onde vens”. Articulando tais elementos, é possível supor que o provérbio visa estimular que a população africana (e afro-brasileira) não se esqueça de seu passado (representado pela bagagem pesada), pois, mais importante que saber para onde ir, é saber de onde vem. Nesse sentido, mais uma vez, a banca lança luz à importância da herança africana, a qual, como mencionada no Texto 1, precisa ser passada de geração a geração para que não se perca.
No texto quatro, somos apresentados a uma mudança positiva quanto ao ensino da cultura africana. De acordo com o excerto, em décadas anteriores, os negros eram representados nas escolas apenas como sujeitos escravizados, sob a lente do colonizador. Ao longo dos anos, no entanto, felizmente essa representação vem sendo modificada. Atualmente, grandes personalidades negras são estudadas por sua grandiosidade histórica e poética. Como exemplo, temos Luiz Gama (advogado, orador, jornalista e escritor brasileiro, considerado Patrono da Abolição da Escravidão no Brasil) e Carolina Maria de Jesus (escritora, compositora, cantora e poetisa brasileira. É autora de “Quarto de Despejo: Diário de uma favelada”, no qual relata sua vivência como mãe, moradora da favela e catadora de papel). Ademais, muitos livros infantis têm protagonistas pretos e tratam temas como a beleza do cabelo crespo. Os exemplos ilustrados demonstram como a escola tem papel essencial na educação antirracista, a qual é construída a partir do rompimento de estereótipos que reduzem a cultura afro como inferior e desimportante. Medidas como essa podem auxiliar o candidato a pensar em propostas de intervenção que visem dar maior visibilidade ao assunto.
O texto quatro traz ao candidato o samba-enredo da Estação Primeira de Mangueira de 2019, cujo título, “Histórias para ninar gente grande”, faz referência às inverdades contadas pela historiografia brasileira. Ao longo da samba-enredo, somos apresentados a uma certa revolta do eu lírico frente à representação do povo preto [A Mangueira chegou / Com versos que o livro apagou / Desde 1500 tem mais invasão do que descobrimento / Tem sangue retinto pisado / Atrás do herói emoldurado], que logo se inunda de orgulho por aqueles que representam a cultura afro-brasileira [Salve os caboclos de julho / Quem foi de aço nos anos de chumbo / Brasil, chegou a vez / De ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês]. Novamente, a banca busca demonstrar a importância de revisitar a história, esclarecendo à população brasileira as barbáries ocorridas no período pré e pós abolição da escravatura, e cultuar os grandes nomes da cultura afro, os quais foram figuras centrais para que o Brasil se consolidasse como país.
O sexto e último texto apresenta a imagem de estudantes admirando um mural, no qual se vê grafitada a imagem de Zumbi dos Palmares, o último dos líderes do Quilombo dos Palmares, o maior dos quilombos do período colonial. Zumbi é uma figura que representa ainda hoje a resistência dos escravizados. Mais uma vez, a coletânea de textos demonstra a importância da ação das escolas frente ao movimento antirracista.
Em suma, fica claro que a cultura africana foi e é essencial à construção do Brasil como nação. Devido a isso, é primordial relegar estereótipos racistas e eurocêntricos que diminuem a grandiosidade e importância cultural desse grupo. Para isso, é preciso superar desafios que impeçam a devida valorização da herança africana.