- Eu lhe juro, Aurélia. Estes lábios nunca tocaram a face de outra mulher, que não fosse minha mãe. Meu primeiro beijo de amor, guardei-o para minha esposa, para ti...
[...]
- Ou de outra mais rica! - disse ela, retraindo-se para fugir ao beijo do marido, e afastando-o com a ponta dos dedos.
A voz da moça tomara o timbre cristalino, eco da rispidez e aspereza do sentimento que lhe sublevava o seio, e que parecia ringir-lhe nos lábios como aço.
- Aurélia! Que significa isto?
- Representamos uma comédia, na qual ambos desempenhamos o nosso papel com perícia consumada. Podemos ter este orgulho, que os melhores atores não nos excederiam. Mas é tempo de pôr termo a esta cruel mistificação, com que nos estamos escarnecendo mutuamente, senhor. Entremos na realidade por mais triste que ela seja; e resigne-se cada um ao que é, eu, uma mulher traída; o senhor, um homem vendido.
- Vendido! - exclamou Seixas ferido dentro d'alma.
- Vendido, sim: não tem outro nome. Sou rica, muito rica; sou milionária; precisava de um marido, traste indispensável às mulheres honestas. O senhor estava no mercado; comprei-o. Custou-me cem contos de réis, foi barato; não se fez valer. Eu daria o dobro, o triplo, toda a minha riqueza por este momento. Alencar, J. Senhora. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 2003.
Ao tematizar o casamento, esse fragmento reproduz uma concepção de literatura romântica evidenciada na
a) |
defesa da igualdade de gêneros. |
b) |
importância atribuída à castidade. |
c) |
indignação com as injustiças sociais. |
d) |
interferência da riqueza sobre o amor. |
e) |
valorização das relações interpessoais. |
a) Incorreta. Ao afirmar que “precisava de um marido, traste indispensável às mulheres honestas”, Aurélia demonstra a consciência de que as mulheres, na sociedade da época, tinham seu valor atrelado a uma presença masculina. Assim, o fragmento não discute a igualdade de gêneros.
b) Incorreta. Embora Seixas recorra à ideia de castidade, no início do fragmento, a fim de provar seu amor, seu argumento é imediatamente rebatido por Aurélia (“- Ou de outra mais rica!”). Evidencia-se, então, que a questão financeira era o cerne do conflito entre o casal.
c) Incorreta. A indignação das personagens não está relacionada a injustiças sociais, mas a uma questão individual: a ambição de Seixas, que se submete a um casamento por interesse financeiro, leva Aurélia a duvidar dos sentimentos de seu marido.
d) Correta. A obra “Senhora”, de José de Alencar, desenvolve-se a partir das relações entre o casamento, o amor e o dinheiro. No enredo, Fernando Seixas, apesar de amar Aurélia, ambiciona um matrimônio que lhe traga benefícios financeiros e, por isso, afasta-se da moça. Porém, Aurélia herda uma fortuna e, por meio de seu tutor, oferece uma grande quantia a Seixas, que, em troca, casa-se com a jovem sem que sua identidade seja revelada. Assim, no fragmento apresentado, Aurélia, após o casamento, acusa Seixas de estar interessado tão somente em sua fortuna. Evidencia-se, então, a temática romântica da interferência da riqueza sobre o amor.
e) Incorreta. O fragmento apresenta uma situação em que as relações interpessoais não são valorizadas. Trata-se, mais especificamente, da relação entre um casal, que é corrompida por conta de questões financeiras. Desse modo, o conflito direciona-se a um tema mais específico: a interferência do dinheiro no relacionamento amoroso.