TEXTO I
Capítulo 4, versículo 3
Minha palavra vale um tiro, eu tenho muita munição
Na queda ou na ascensão, minha atitude vai além
E tem disposição pro mal e pro bem
Talvez eu seja um sádico, ou um anjo, um mágico
Ou juiz ou réu, um bandido do céu
Malandro ou otário, quase sanguinário
Franco atirador se for necessário
Revolucionário, insano ou marginal
Antigo e moderno, imortal
Fronteira do céu com o inferno
Astral imprevisível, como um ataque cardíaco do verso
RACIONAIS MCs. Sobrevivendo ao inferno. São Paulo: Cosa Nostra, 1997 (fragmento).
TEXTO II
Pode-se dizer que as várias experiências narradas nos discos do Racionais tratam no fundo de um só tema: a violência que estrutura a nossa sociedade. O grupo canta a violência que estrutura as relações entre os familiares, os amigos, o homem e a mulher, o traficante e o viciado. Canta a violência do crime. A violência causada por inveja ou por vaidade. Também canta que a relação entre as classes sociais é sempre violenta: o racismo, a miséria, os baixos salários, a concentração de renda, a esmola, a publicidade, o alcoolismo, o jornalismo, o poder policial, a justiça, o sistema penitenciário, o governo existem por meio da violência.
GARCIA, W. Ouvindo Racionais MCs. Teresa: revista de literatura brasileira, n. 5, 2004 (fragmento).
Na letra da canção, a tematização da violência mencionada no Texto II manifesta-se
a) |
como metáfora da desigualdade, que associa a ideia de justiça a valores históricos negativos. |
b) |
na referência a termos bélicos, que sinaliza uma crítica social à opressão da população das periferias. |
c) |
como procedimento metalinguístico, que concebe a palavra como uma forma de combate e insubordinação. |
d) |
nas definições ambíguas do enunciador, que inverte e relativiza as representações da maldade e da bondade. |
e) |
na menção à imortalidade, que sugere a possibilidade de resistência para além da dicotomia entre vida e morte. |
a) Incorreta. As metáforas presentes no trecho dessa canção relacionam-se à figura do artista e do papel de sua arte. Não há elementos que representem, no fragmento em questão, a desigualdade ou a justiça relacionada a valores históricos negativos.
b) Incorreta. Os termos bélicos presentes na canção, tais como “tiro”, “munição” ou “franco atirador”, caracterizam a atitude do enunciador e a maneira como desenvolve seu trabalho artístico. Não é o caso, nesse fragmento, de uma crítica diretamente voltada à opressão nas periferias.
c) Correta. No fragmento da canção, o enunciador constrói sua identidade enquanto um artista de periferia que busca transmitir seu conhecimento e representar sua comunidade; trata-se, portanto, de um procedimento metalinguístico. Para isso, o artista recorre a metáforas que remetem à violência e à insubordinação (“Minha palavra vale um tiro, eu tenho muita munição / Franco-atirador, se for necessário / Revolucionário”), caracterizando a palavra, em suas composições, como um instrumento de luta que reflete a violência a que os sujeitos periféricos estão submetidos.
d) Incorreta. Embora o fragmento apresente imagens antitéticas que levem a uma construção ambígua do enunciador (“juiz” / “réu”; “malandro” / “otário”; “antigo” / “moderno” etc), não se pode afirmar que tais imagens invertam as representações de maldade e bondade. Trata-se de um recurso que reforça o papel do artista como representante da complexidade de sua comunidade, dando voz aos sujeitos periféricos e incorporando a violência à qual estão submetidos.
e) Incorreta. Não há elementos na canção que sugiram imortalidade, mas a possibilidade de resistência apesar da violência e da ameaça da morte.