Data venia
Conheci Bentinho e Capitu nos meus curiosos e antigos quinze anos. E os olhos de água da jovem de Matacavalos atraíram-me, seduziram-me ao primeiro contato. Aliados ao seu jeito de ser, flor e mistério. Mas tomou-me também a indignação diante do narrador e seu texto, feito de acusação e vilipêndio. Sem qualquer direito de defesa. Sem acesso ao discurso, usurpado, sutilmente, pela palavra autoritária do marido, algoz, em pele de cordeiro vitimado. Crudelíssimo e desumano: não bastasse o que faz com a mulher, chega a desejar a morte do próprio filho e a festejá-la com um jantar, sem qualquer remorso. No fundo, uma pobre consciência dilacerada, um homem dividido, que busca encontrar-se na memória, e acaba faltando-se a si mesmo. Retomei inúmeras vezes a triste história daquele amor em desencanto. Familiarizei-me, ao longo do tempo, com a crítica do texto; poucos, muito poucos, escapam das bem traçadas linhas do libelo condenatório; no mínimo concedem à ré o beneplácito da dúvida: convertem-na num enigma indecifrável, seu atributo consagrador.
Eis que, diante de mais um retorno ao romance, veio a iluminação: por que não dar voz plena àquela mulher, brasileira do século XIX, que, apesar de todas as artimanhas e do maquiavelismo do companheiro, se converte numa das mais fascinantes criaturas do gênio que foi Machado de Assis?
A empresa era temerária, mas escrever é sempre um risco. Apoiado no espaço de liberdade em que habita a Literatura, arrisquei-me.
O resultado: este livro em que, além-túmulo, como Brás Cubas, a dona dos olhos de ressaca assume, à luz do mistério da arte literária e do próprio texto do Dr. Bento Santiago, seu discurso e sua verdade.
PROENÇA FILHO, D. Capltu: memórias póstumas. Rio de Janeiro: Atrium, 1998
Para apresentar a apropriação literária que faz da obra de Machado de Assis, o autor desse texto
a) |
relaciona aspectos centrais da obra original e, então, reafirma o ponto de vista adotado. |
b) |
explica os pontos de vista de criticas da literatura e,por fim, os redimensiona na discussão. |
c) |
introduz elementos relevantes da história e, na sequência, apresenta motivos para refutá-los. |
d) |
justifica as razões pelas quais adotou certa abordagem e, em seguida, reconsidera tal escolha. |
e) |
contextualiza o enredo de forma subjetiva e, na conclusão, explicita o foco narrativo a ser assumido. |
a) Incorreta. O texto não relaciona aspectos centrais da obra. Na verdade, ele exprime opiniões subjetivas acerca do enredo de Dom Casmurro, caracterizadas pela primeira pessoa do singular: "Conheci", "Retomei", "Familiarizei-me", etc. Os aspectos mencionados, portanto, não podem ser caracterizados como centrais, pois isso exigiria uma justificativa de ordem coletiva, não baseada somente em opiniões pessoais.
b) Incorreta. O autor diz apenas que se familiarizou com as críticas acerca do texto, mas não explica os pontos de vistas dessas críticas para além de uma aproximação com a sua própria interpretação acerca do texto: "poucos, muito poucos, escapam das bem traçadas linhas do libelo condenatório; no mínimo concedem à ré o beneplácito da dúvida: convertem-na num enigma indecifrável, seu atributo consagrador".
c) Incorreta. O autor introduz, sim, elementos da história e, por mais que uma interpretação possível seja dizer que eles são relevantes, nesse caso, eles são relevantes apenas para o autor, já que se trata de uma opinião subjetiva.
d) Incorreta. O autor justifica, sim, as razões pelas quais adotou certa abordagem, mas não reconsidera sua escolha, apenas a reafirma.
e) Correta. A apresentação do enredo é feita de forma subjetiva, como já observado. Na conclusão, diz o autor: " O resultado: este livro em que, além-túmulo, como Brás Cubas, a dona dos olhos de ressaca assume, à luz do mistério da arte literária e do próprio texto do Dr. Bento Santiago, seu discurso e sua verdade". Ou seja, o seu livro, inspirado pelo tema e personagens de Dom Casmurro e no estilo de Memórias Póstumas de Brás Cubas, tem o foco narrativo explicitado: não mais Bentinho, que pouco conseguiu decifrar de Capitu, mas Capitu, que agora irá assumir o comando da transmissão de sua verdade.