A viagem
Que coisas devo levar
nesta viagem em que partes?
As cartas de navegação só vervem
a quem fica.
Com que mapas desvendar
um continente
que falta?
Estrangeira do teu corpo
tão comum
quantas línguas aprender
para calar-me?
Também quem fica
procura
um oriente.
Também
a quem fica
cabe uma paisagem nova
e a travessia insone do desconhecido
e a alegria difícil da descoberta.
O que levas do que fica,
o que, do que levas, retiro?
MARQUES, A. M. In: SANT'ANNA, A. (Org.). Rua Aribau. Porto Alegre: Tag, 2018.
A viagem e a ausência remetem a um repertório poético tradicional. No poema, a voz lírica dialoga com essa tradição, repercutindo a
a) |
saudade como experiência de apatia. |
b) |
presença da fragmentação da identidade. |
c) |
negação do desejo como expressão de culpa. |
d) |
persistência da memória na valorização do passado. |
e) |
revelação de rumos projetada pela vivência da solidão. |
a) Incorreta. A apatia é um estado de indiferença e insensibilidade, incompatível com a sensação de perda e distanciamento expressa pelo eu-lírico.
b) Incorreta. Seria possível considerar que o eu-lírico apresenta uma identidade fragmentada evidenciada pela alternância de índice de pessoa como se observa nos versos: “Que coisas devo levar nesta viagem em que partes?” e em “Estrangeira de teu corpo”. Contudo, é importante observar que o enunciado afirma que, neste poema, o tema da viagem e da ausência remetem a um repertório poético tradicional. A fragmentação da identidade é uma questão característica da literatura pós-moderna, sendo inviável, portanto, sua presença na tradição poética do passado.
c) Incorreta. O poema tematiza a perda de referências de um eu-lírico que se confronta com a ausência de uma pessoa importante em sua vida. Tal experiência não é relacionada ao desejo nem à culpa.
d) Incorreta. O eu-lírico questiona-se a respeito do modo como irá processar a ausência da pessoa amada e de que maneira irá lidar com as situações desconhecidas que se apresentam nesse novo contexto. Dessa forma, não se verifica, no poema, a persistência da memória nem a valorização do passado.
e) Correta. O sujeito-lírico, ao defrontar-se com a solidão resultante da partida da pessoa amada, questiona-se a respeito dos rumos (Também quem fica/ Procura/ Um Oriente) e perspectivas dessa etapa de sua vida em que deverá encontrar novas referências para constituir sua identidade em que aquele outro que partiu já não está presente. Dessa forma, o poema recria, num contexto moderno, um tema recorrente na tradição da poesia lírica: a experiência da partida de uma pessoa próxima e a ausência resultante dessa separação.