HELOÍSA: Faz versos?
PINOTE: Sendo preciso... Quadrinhas... Acrósticos... Sonetos... Reclames.
HELOÍSA: Futuristas?
PINOTE: Não senhora! Eu já fui futurista. Cheguei a acreditar na independência... Mas foi uma tragédia! Começaram a me tratar de maluco. A me olhar de esguelha. As crianças choravam em casa. Tenho três filhos. No jornal também não pagavam, devido à crise. Precisei viver de bicos. Ah! Reneguei tudo. Arranjei aquele instrumento (Mostra a faca) e fiquei passadista.
ANDRADE, O. O rei da vela. São Paulo: Globo, 2003.
O fragmento da peça teatral de Oswaldo de Andrade ironiza a reação da sociedade brasileira dos anos 1930 diante de determinada vanguarda europeia. Nessa visão, atribui-se ao público leitor uma postura
a) |
preconceituosa, ao evitar formas poéticas simplificadas. |
b) |
conservadora, ao optar por modelos consagrados. |
c) |
preciosista, ao preferir modelos literários eruditos. |
d) |
nacionalista, ao negar modelos estrangeiros. |
e) |
eclética, ao aceitar diversos estilos poéticos. |
O futurismo é uma das vanguardas europeias que muito influenciaram os modernistas brasileiros. Esse movimento era agressivamente dirigido à valorização futuro, pregando a destruição da arte anterior (inclusive simbolista, impressionista, naturalista etc.). Essa iconoclastia quase nunca era bem recebida pelos leitores mais conservadores.
a) Incorreta. A crítica do público-leitor ao futurismo parece não estar nas formas poéticas simplificadas (veja-se que a personagem afirma fazer compor textos bastante simples, como “quadrinhas” e “acrósticos”), e sim à forma da composição futurista.
b) Correta. A personagem afirma “começaram a me tratar de maluco. A me olhar de esguelha. A não me receber mais”. Essa reação levou Pinote a trocar de estética (“fiquei passadista”) visando à sobrevivência e ao sustento da família.
c) Incorreta. Pinote afirma que se converteu em “passadista”, fazendo “quadrinhas” e “reclames”, portanto, não é o preciosismo do público que o julgava, já que essas são composições populares.
d) Incorreta. Não se trata exatamente de refugar o estrangeiro (note-se que o futurismo louva o elemento nacional), mas rejeitar a vanguarda pelo apego aos modelos já canônicos.
e) Incorreta. Ao contrário do ecletismo, a crítica de Oswald à sociedade é sua recusa ao novo, no caso ao futurismo, por apego às formas consagradas.