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Questão 3 Unicamp 2025 - 2ª fase - dia 1

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Questão 3

Casa Velha

Em 1943, Lúcia Miguel-Pereira, importante estudiosa da obra de Machado de Assis, publicou em livro a novela Casa Velha, que havia aparecido seriadamente na revista A Estação entre janeiro de 1885 e fevereiro de 1886. Ao comparar essa novela com os primeiros romances machadianos, ela nos diz:

“Lalau, a heroína de Casa Velha, é igualmente criada por uma viúva rica, cujo filho ama; a velha senhora lança mão de uma calúnia para separar os namorados e, desfeita esta, a moça se retrai, recusa entrar para uma família que a desdenhara; volta resignada, mas triste, ao meio humilde de onde sonhara sair (...)”.

(MIGUEL-PEREIRA, Lúcia. Machado de Assis: estudo crítico e biográfico. 6. ed. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: EdUSP, p. 160, 1988.)

a) Considerando a casa como um microcosmo da sociedade brasileira dos tempos da Regência, identifique e explique as posições ocupadas pelas duas personagens femininas mencionadas no trecho.

b) Reconte aqui, brevemente, a calúnia que separou Lalau de seu amado e como tal calúnia foi desfeita, citando os personagens envolvidos em ambos os processos. A seguir, tendo em conta a estrutura social do Brasil da época, ofereça uma interpretação para o fato de haver uma dificuldade na união entre Lalau e seu amado.



Resolução

a) Tendo em vista que a “Casa Velha”, cenário da narrativa, assume na obra um símbolo de poder das oligarquias que dominavam o Brasil nos tempos da Regência, D. Antônia, enquanto chefe da casa, representa a manutenção das ideias conservadoras na sociedade brasileira. Suas atitudes refletem valores e tradições de uma classe oligárquica que busca a manutenção de sua hegemonia. Já Lalau, uma agregada da casa, assume uma posição que põe em risco esse conservadorismo, uma vez que recusa a subserviência e demonstra um senso de independência ao ambicionar casar-se com Félix e, assim, ascender socialmente; desse modo, as atitudes da jovem aproximam-na de pensamentos liberais.  Portanto, as figuras femininas mencionados no trecho, considerando a casa como um microcosmo da sociedade brasileira dos tempos da Regência, simbolizam as correntes políticas que se opunham à época: conservadores, representados na figura de D. Antônia, e liberais, representados por Lalau.

b) D. Antônia, a fim de impedir o casamento de Lalau com seu filho Félix, sugere que tal união não poderia ocorrer, pois os jovens seriam irmãos: a garota seria fruto de um relacionamento extraconjugal entre o ex-ministro (marido de D. Antônia e pai de Félix) e a mãe de Lalau. A viúva induz o padre, narrador-personagem da história, a acreditar nessa calúnia e, como consequência, os enamorados se separam. No entanto, no último dia de suas pesquisas na biblioteca da casa, o padre descobre um bilhete escrito pelo ex-ministro para a mãe de Lalau, no qual ele mencionava uma criança morta (um “anjinho”), passando a suspeitar que essa criança é que teria sido o fruto da união extraconjugal. Assim, ele confronta d. Mafalda, tia de Lalau, que confirma a veracidade de sua suspeita. Logo, Lalau não é filha do ex-ministro, mas sim o “anjinho” que morrera pouco depois de nascer, e o casamento da jovem com Félix passa a ser aceito por D. Antônia. Porém, Lalau recusa o matrimônio, alegando que não poderia se casar com o filho do homem que fez sua mãe sofrer e a desonrou. O fato de as personagens não ficarem juntas espelha a estrutura social do Brasil na época, visto que os enamorados pertencem a classes sociais diferentes: Félix faz parte de uma oligarquia, enquanto Lalau é uma simples agregada, pertence a uma camada entre os senhores e os escravos, a um grupo que, embora seja livre, não dispõe de prestígio social e tem baixas condições financeiras. O casamento entre os dois significaria uma ruptura nessa estrutura patriarcal e escravista, justificando, então, a dificuldade na união dessas personagens.