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Questão 4 Unicamp 2025 - 2ª fase - dia 1

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Questão 4

José Paulo Paes - Prosas seguidas de odes mínimas Gonçalves Dias

Em 1843, Gonçalves Dias compôs o poema “Canção do Exílio”, que serviu de inspiração a vários poetas ao longo do tempo, de que são exemplos o poema de José Paulo Paes e a canção de Chico Buarque de Holanda e Tom Jobim, reproduzidos a seguir.

 

Canção do exílio

José Paulo Paes

Um dia segui viagem

sem olhar sobre o meu ombro.

 

Não vi terras de passagem

Não vi glórias nem escombros.

 

Guardei no fundo da mala

um raminho de alecrim.

 

Apaguei a luz da sala

que ainda brilhava por mim.

 

Fechei a porta da rua

a chave joguei ao mar.

 

Andei tanto nesta rua

Que já não sei mais voltar

(PAES, José Paulo. Prosas seguidas de odes mínimas. São Paulo: Companhia das Letras, p. 19, 1992.)

 

Sabiá

Chico Buarque de Holanda – Tom Jobim

Vou voltar

Sei que ainda vou voltar

Para o meu lugar

Foi lá

E é ainda lá

Que eu hei de ouvir cantar

Uma sabiá

 

Vou voltar

Sei que ainda vou voltar

Vou deitar à sombra de uma palmeira

Que já não há

Colher a flor

Que já não dá

E algum amor

Talvez possa espantar

As noites que eu não queria

E anunciar o dia

 

Vou voltar

Sei que ainda vou voltar

Não vai ser em vão

Que fiz tantos planos de me enganar

Como fiz enganos de me encontrar

Como fiz estradas de me perder

Fiz de tudo e nada de te esquecer

(CHEDIAK, Almir (Org.). Songbook Tom Jobim. Rio de Janeiro: Lumiar Editora, p. 88-89, 1990.)

a) Identifique, em cada poema, a posição do eu-lírico em relação ao exílio. Justifique sua resposta apontando elementos de ambos os textos.

b) Os dois poemas reproduzidos acima apresentam “negações”, a exemplo das que vemos nos versos “sem olhar sobre o meu ombro”, “não vi terras de passagem”, “não vi glórias nem escombros”, “que já não sei mais voltar”, “(...) uma palmeira que já não há”, “(...) a flor que já não dá”. Interprete comparativamente, em cada um dos poemas, o sentido da recorrência das negações.



Resolução

a) O poema de José Paulo Paes se intitula “Canção de exílio” e não “Canção do exílio”, tal como afirmado no enunciado. A omissão do artigo definido impacta o sentido do texto, uma vez que o poeta fala de um exílio mais amplo, e não de uma experiência particular, como expresso no poema romântico.

De fato, a experiência do exílio para o eu lírico de Paes tem um contorno mais filosófico, em que o “seguir viagem” metaforiza a travessia que se inicia no nascimento e segue pela vida afora, num percurso sem volta ou possibilidade de retorno. Nesse exílio existencial, o homem caminha em direção ao novo e ao desconhecido, deixando as origens e o que é familiar para trás. Não se nota na atitude do eu lírico qualquer indício de saudosismo ou desejo de retorno: ele parte sem “olhar sobre o ombro” e sem ver “terras de passagem”, “glórias” ou “escombros”. Sua posição é marcada por uma escolha consciente em abandonar o mundo que o abrigava – “apaguei a luz da sala/ que ainda brilhava por mim” – e se desvincular totalmente da terra natal – “fechei a porta da sala/ A chave joguei no mar” – a ponto de perder-se desse local de origem. Nesse sentido, não há idealizações quanto a uma pátria para a qual se pretenda retornar, pois, de tanto caminhar, o poeta já não saberia voltar para esse país que se torna inexistente em sua experiência.

Na letra da canção “Sabiá” de Chico Buarque, observa-se que o eu-lírico assume uma posição mais próxima do saudosismo que caracteriza o poema original. O texto se inicia com a expressão do desejo desse sujeito em voltar “para o seu lugar”, caracterizado com os mesmos símbolos nacionais evocados por Gonçalves Dias – a palmeira e o sabiá. O anseio pelo retorno a um local de origem, familiar e acolhedor, ausente no poema de Paes, é o móvel desse poema, ainda que o eu lírico manifeste uma certeza de que os elementos idílicos evocados por sua memória já não estarão presentes: a palmeira já não há e a flor já não dá. Entretanto, o eu lírico insiste em seu sonho de retornar, dizendo que “os planos de me enganar”, os “enganos de me encontrar” e as “estradas de me perder” que o motivaram a partir não fizeram com que ele esquecesse a pessoa amada, como o verso “e nada de te esquecer” sugere. Ainda assim, esses movimentos que o afastaram da pátria não foram em vão, pois permitirão o seu retorno e o reencontro com o objeto de seu amor.

Em suma, no poema de Paes, o eu lírico se afasta definitivamente de seu local de origem, não expressando saudade ou nostalgia, uma vez que a terra natal se apaga de sua memória. Já o eu lírico da canção de Chico Buarque dialoga mais estreitamente com o poema romântico, alimentando o sonho de retornar e reencontrar não apenas a pátria, mas os amores lá deixados.

b) Tanto no poema “Canção de exílio”, de José Paulo Paes, como na canção “Sabiá”, de Chico Buarque, observa-se a recorrência de negações na expressão da experiência do exílio, as quais evidenciam as atitudes de ambos os sujeitos poéticos em relação às próprias origens.

No poema de Paes, as negações expressam uma atitude de afastamento. O eu lírico afirma que seguiu viagem “sem olhar sobre o meu ombro”, isto é, sem alimentar sonhos de retornar ao local que ele estava abandonando. Em sua jornada, ele não fixa seu olhar em “terras de passagem”, não registrando “glórias nem escombros”, uma vez que está sempre em trânsito, num movimento que o faz avançar sem se deter diante das paisagens que o rodeiam. De tanto caminhar em direção ao novo e ao desconhecido, o poeta perdeu suas referências, a ponto de declarar “já não sei mais voltar”, evidenciando a dificuldade de pôr um fim a seu exílio, visto que as negações expressam a impossibilidade de se fazer o caminho de volta.

Na canção de Chico Buarque, as negações evidenciam a impossibilidade da idealização em relação à pátria. Na “Canção do exílio” original, Gonçalves Dias projeta uma imagem idealizada da pátria, exaltando certos símbolos nacionais como a palmeira e o sabiá. O sujeito poético de Chico Buarque retoma esses símbolos, mas afirma que a “palmeira já não há” e ainda expressa a intenção de colher “a flor que já não dá”. Tais negações evidenciam o conhecimento do eu lírico que as imagens idealizadas em relação à pátria não existem na realidade, não passando de projeções ou sonhos daquele que se encontra distante da terra natal. Dessa forma, o eu lírico expressa sua consciência de que esse país paradisíaco com palmeiras, flores e sabiás existiria apenas na imaginação romântica. Entretanto, tal consciência não chega a impedir sua vontade de retornar a esse lugar, uma vez que ele é movido pelo desejo de reencontrar um antigo amor, como é sugerido no verso: “fiz de tudo e nada de te esquecer”.