Leia o texto a seguir para responder às questões.
Palavras são entes vivos: nascem e morrem, com toda uma história que pode ser curta ou longa – às vezes tão longa que simula a eternidade, enganando muita gente – de entremeio. O legal das gírias é que elas nos permitem acompanhar esse ciclo em miniatura como se estivéssemos num laboratório: vão do nascimento à morte, como qualquer palavra, mas com raras exceções (como bacana) percorrem rapidamente a distância entre os dois pontos. O caráter efêmero está na sua natureza. A brevidade da vida é o preço que pagam pela intensidade com que se jogam, cheias de ímpeto juvenil, em todos os excessos da missão de comunicar, misturando sentido e atitude. São como certos artistas malditos: brilham demais e se consomem depressa. Durar além da conta seria visto, no caso delas e deles, como um ato de mau gosto. Quanto tempo levará o atualíssimo verbo tankar, por exemplo, para virar peça de museu? Um dos efeitos de tanta efemeridade é que as gírias se esmeram em denunciar a idade de quem as usa. Um dia dei uma mancada: estranhei quando me disseram que a palavra mancada era arcaica. Reagi ao que me parecia uma afirmação francamente absurda, fiz enquetes e acabei concluindo que, sim, o prazo de validade de mancada tinha vencido fazia tempo. Não tanto tempo, porém, que me permitisse retomá-la em chave irônica, como supimpa. Que mancada! Etarismo à parte, recomenda-se cuidado com essas coisas numa sociedade de adesão automática ao novo, em que envelhecer além de certa idade é encarado como uma espécie de gafe.
(Adaptado de RODRIGUES, S. O discreto charme da gíria antiga. Folha de S. Paulo, 23 jul. 2024.)
a) Indique dois exemplos de gírias mencionadas no texto: uma que funcione como marcador social de idade e outra que funcione como pertencimento a um grupo. Justifique a sua resposta em cada caso.
b) Descreva a analogia entre o ciclo de vida humana e o das gírias. No enunciado, “envelhecer além de certa idade é encarado como uma espécie de gafe”, há uma crítica ao etarismo. Explique como essa crítica se aplica ao uso das gírias.
a) Dentre as gírias mencionadas no texto, pode-se citar “mancada” como uma gíria que funciona como marcador de idade e “tankar” como um índice de pertencimento a um grupo. O narrador relata que se surpreendeu quando, ao usar a gíria “mancada”, no sentido de erro ou engano, foi alertado de que tal expressão era arcaica e estava em desuso, com o prazo de validade vencido. Tal constatação aponta que somente pessoas mais velhas e desatualizadas ainda usariam essa gíria, o que, na perspectiva irônica do autor, seria uma “mancada”. Já o verbo “tankar” é uma gíria cujo uso evidencia o pertencimento ao grupo dos “gamers” e de jovens usuários de redes sociais. Em inglês, “tank” significa suportar ou “aguentar”; no universo dos jogos online, denomina o personagem que serve de escudo para abrir caminho para o herói no jogo, protegendo-o dos ataques inimigos. Entre os jovens usuários de redes sociais, o sentido de “tankar” se amplia para nomear a postura de manter-se sério em uma determinada situação ou então aceitar determinada postura ou ideia.
b) De acordo com o texto, as palavras são “entes vivos”, “vão do nascimento à morte”; no caso das gírias, tal processo se dá de maneira mais acelerada do que ocorre com outros vocábulos: assim como os seres humanos, em sua juventude, são impulsivos e cheios de energia, elas surgem com intensidade e, “cheias de ímpeto juvenil”, são usadas de forma excessiva na comunicação. No entanto, justamente por conta desse uso desmedido, “se consomem depressa” e caem no esquecimento, da mesma forma como os seres humanos rapidamente envelhecem e morrem. Têm-se então uma analogia entre o ciclo da vida humana e o das gírias, fundamentada no seu caráter efêmero. Assim, tanto as gírias quanto a vida humana seriam marcadas pela brevidade, assumindo uma espécie de “prazo de validade”. Nesse sentido, a afirmação de que “envelhecer além de certa idade é encarado como uma espécie de gafe” contém uma crítica ao etarismo, uma forma de discriminação relacionada ao preconceito e à intolerância contra pessoas mais velhas, vistas como atrasadas ou incapazes de executar determinadas ações. Dessa forma, o etarismo se faz presente quando se considera que a utilização de determinadas gírias vistas como ultrapassadas revelaria a idade avançada do enunciador; como consequência, ele pode ser alvo de preconceito por parte de pessoas mais jovens.