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Questão 26 Unicamp 2025 - 1ª fase

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Questão 26

América Espanhola

Em meados de fevereiro de 1765, Juana Antonia Gomiciaga, por intermédio do “procurador de pobres”, Diego Toribio de la Cueva, se apresentou ao Cabildo de Santiago. Ela confiava que o foro de justiça local pudesse dar solução ao seu pedido principal: obter o reconhecimento de sua liberdade, que, de acordo com sua versão, havia sido concedida verbalmente por sua senhora, Francisca Josefa Gomiciaga, em fevereiro de 1751. Nas palavras do procurador, a liberdade havia sido concedida devido à “piedade e compaixão”. Contudo, essa alforria verbal, ao longo do tempo, foi desconsiderada pelas senhoras de Juana, o que motivou a escrava Juana Antonia a recorrer à arena judicial.

(Traduzido e adaptado de GONZALEZ, A. F. G. Los matices de la resistencia: Trayectorias vitales de mujeres esclavizadas ante la justicia eclesiástica de Santiago. Chile, siglos XVII y XVIII. Autoctonía (Santiago), 8(1), p. 88-127, janeiro de 2024.)


Tendo em vista seus conhecimentos sobre América espanhola e considerando as informações, presentes no excerto, sobre o caso de Juana Antônia Gomiciaga, assinale a alternativa correta.



a)

As ações judiciais resultaram em um questionamento da sociedade escravocrata; por conta delas, foi decretado o fim do sistema de escravidão africana no século XVIII.

b)

A resistência à escravidão indígena era marcada pelo enfrentamento físico e, no caso da resistência africana à escravidão, predominava a postura passiva.

c)

Embora houvesse demandas jurídicas dos escravizados, o Império era inflexível quanto a essas negociações na Justiça, como demonstrado no excerto.

d)

Os estudos sobre a escravidão têm demonstrado que muitos escravizados, entre várias estratégias, articulavam a luta pela liberdade na Justiça.

Resolução

a) Incorreta. Embora ações relativas à escravidão questionassem pontos específicos da sociedade colonial escravista, esses processos não colocavam em xeque toda a estrutura de trabalho compulsório nos ambientes coloniais - no caso específico da questão, em Santiago - e nem decretaram o fim da escravidão africana no século XVIII. A abolição do escravismo nas Américas só aconteceria no século XIX, com a exceção do Haiti, que passou pelo seu processo de independência e também pela abolição da escravidão nas colônias, ocorrido em 1794, durante o processo da Revolução Francesa.

b) Incorreta. Várias formas de resistência á escravidão podem ser listadas, tanto ligadas a um enfrentamento físico - como em rebeliões - quanto com atitudes como recusa ao trabalho ou manutenção de práticas culturais em ambiente privado. Porém, de forma alguma podemos indicar uma passividade do escravizado africano em contraposição ao escravizado indígena, o que configuraria uma estereotipia redutora.

c) Incorreta. O Império Espanhol, para se referir ao caso específico da questão, não se mostrava inflexível a processos judiciais relacionados à escravidão, já que o próprio excerto demonstra que houve um aceite do processo e que havia instâncias judiciais específicas que permitiam o caminhar do processo. A protagonista do caso citado na questão, Juana Antonia Gomiciaga, recorreu ao cabildo de Santiago - ou seja, à sede municipal do governo da cidade - e se fez representar inclusive por meio de um procurador, o que demonstra uma possibilidade jurídica para representação de uma mulher em estado de escravidão.

d) Correta. Diversos estudos sobre a escravidão destacam o uso de estratégias jurídicas como resistência ao escravismo, tanto em espaços da América espanhola quanto no Brasil (seja o Brasil do período colonial ou do período imperial, no qual já era um país independente). Esses espaços de representação jurídica possibilitariam brechas no ordenamento judicial da escravidão, levando casos de pessoas escravizadas para os espaços do direito, o que evidenciaria também descumprimento de leis por parte dos proprietários de escravizados. Essas estratégias jurídicas somam-se a outras formas de resistência, como rebeliões, recusa ao trabalho, manutenção de práticas religiosas, sendo que o conjunto de práticas de resistência foi fator fundamental para que as abolições fossem atingidas.