O excerto a seguir, do livro Alice no país das maravilhas, de Lewis Carrol, narra o encontro entre a protagonista e o Gato de Cheshire:
O Gato apenas sorriu ao avistá-la. Alice achou que ele parecia afável. Mas como tinha garras muito compridas e dentes bem graúdos, sentiu que devia tratá-lo com respeito.
– Gatinho de Cheshire – começou a dizer timidamente, sem ter certeza se ele gostaria de ser tratado assim, mas ele apenas abriu um pouco mais o sorriso. “Ótimo, parece que ele gostou”, pensou ela, e prosseguiu: – Podia me dizer, por favor, qual é o caminho para sair daqui?
– Isso depende muito do lugar para onde você quer ir – disse o Gato.
– Não me importa onde... – disse Alice.
– Nesse caso não importa por onde você vá – disse o Gato. – ...conquanto que eu chegue a algum lugar – acrescentou Alice como explicação.
– É claro que isso acontecerá – disse o Gato –, desde que você ande por algum tempo.
(CARROLL, L. Aventuras de Alice no país das maravilhas. Tradução de Sebastião Uchoa Leite. São Paulo: Editora 34, p. 68-69, 2016.)
A partir da leitura do trecho e da compreensão do todo da narrativa, pode-se afirmar que o excerto é um exemplo
a) |
do afeto que marca o contato que Alice estabelece com os habitantes do país das maravilhas. |
b) |
do estranhamento que Alice experimenta ao conhecer seres que não existiam no mundo de onde ela veio. |
c) |
da descoberta, por parte de Alice, do domínio que ela tem sobre as situações no país das maravilhas. |
d) |
da percepção, por parte de Alice, de que as palavras não têm sempre o mesmo sentido para quem as usa. |
a) Incorreta. A relação de Alice com os habitantes do país das maravilhas não é marcada pelo afeto. O que se observa, frequentemente, é um desentendimento entre a garota e as demais personagens, marcado por diferenças de pensamento, deixando a protagonista em desacordo com as situações que vivencia. Além disso, no excerto em questão, a observação de Alice sobre as “garras muito compridas e dentes bem graúdos” do Gato de Cheshire, leva-a a tratar o animal com respeito, o que não condiz com um exemplo de um contato afetuoso.
b) Incorreta. O excerto não demonstra uma reação de estranhamento de Alice perante o Gato de Cheshire; a garota apenas opta por tratá-lo com respeito ao observar que, embora parecesse afável, o animal tinha “garras muito compridas e dentes bem graúdos”. Assim, ela recorre ao uso do diminutivo ao dirigir-se à personagem (“Gatinho de Cheshire”), fato que corrobora para demonstrar que Alice não estranhou o seu interlocutor.
c) Incorreta. Ao longo de praticamente toda a obra, Alice não tem domínio sobre as situações que vivencia, sentindo-se, constantemente, perdida e confusa. O excerto é um exemplo dessa falta de controle, uma vez que a garota solicita a ajuda do Gato de Cheshire, mas não obtém o auxílio de que precisa.
d) Correta. No diálogo desenvolvido no excerto, Alice procura a ajuda do Gato de Cheshire, pois se sente perdida e não sabe para onde ir. No entanto, ao invés de oferecer respostas objetivas, o animal questiona suas necessidades: ele “devolve” a pergunta feita incialmente por Alice e acaba por ressignificar as falas da protagonista. Dessa forma, o Gato desvia a conversa para um campo filosófico e que não satisfaz a demanda da menina. Portanto, verifica-se um exemplo de situação (que pode ser verificada em vários outros diálogos ao longo da obra) em que as palavras assumem diferentes sentidos, a depender de quem as usa e de como são interpretadas.