Uma ouriça
Se o de longe esboça lhe chegar perto,
se fecha (convexo integral de esfera),
se eriça (bélica e multiespinhenta):
e, esfera e espinho, se ouriça à espera.
Mas não passiva (como ouriço na loca);
nem só defensiva (como se ouriça o gato);
sim agressiva (como jamais o ouriço),
do agressivo capaz de bote, de salto
(não do salro para trás, como o gato):
daquele capaz de salto para o assalto.
Se o de longe lhe chega em (de longe),
de esfera aos espinhos, ela se desouriça.
Reconverte: o metal hermético e armado
na carne de antes (côncava e propícia),
e as molas felinas (para o assalto),
nas molas em espiral (para o abraço).
MELO NETO, J. C. A educação pela pedra. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.
Com apuro formal, o poema tece um conjunto semântico que metaforiza a atitude feminina de
a) |
tenacidade transformada em brandura. |
b) |
obstinação traduzida em solamento. |
c) |
inércia provocada pelo desejo platônico. |
d) |
irreverência cultivada de forma cautelosa. |
e) |
desconfiança consumada pela intolerância. |
O poema descreve o comportamento de um animal – uma ouriça – que assume uma atitude defensiva e, ao mesmo tempo, agressiva, quando se vê ameaçada por algum elemento externo: Se o de longe esboça lhe chegar perto,/ se fecha (convexo integral de esfera),/ se eriça (bélica e multiespinhenta). Além de se defender, ela ataca, avançando violentamente sobre o agressor.
Na segunda estrofe, entretanto, o poema menciona que “Se o de longe lhe chega em (de longe)”, ou seja, se algum animal ou pessoa se aproximar da ouriça de modo mais cuidadoso (de longe), ela “se desouriça” e se “reconverte”, ou seja, se desarma e, ao invés de atacar, se movimenta em direção ao abraço. Isto posto, considera-se:
a) Correta. Pode-se considerar o poema como uma metáfora para a atitude feminina de tenacidade (resistência) convertida em brandura. Há no texto um conjunto semântico que metaforiza cada uma dessas atitudes, sendo que a tenacidade é evidenciada por vocábulos como “se eriça (bélica e multiespinhenta), enquanto a brandura é metaforizada por “carne de antes (côncava e propícia).
b) Incorreta. A atitude de isolamento retratada na primeira estrofe se converte, na segunda, em atitude de abertura e proximidade.
c) Incorreta. Não é possível descrever as atitudes da ouriça como resultado da inércia, antes disso, elas são uma reação ao modo como o “de longe” se aproxima dela.
d) Incorreta. Não há no texto nenhuma referência verbal que expresse a atitude de irreverência, uma vez que os sentidos se constroem em torno dos gestos de agressão e acolhimento.
e) Incorreta. A atitude feminina de defesa, ataque ou abertura é resultado de uma ação direta, que pode ser violenta ou delicada; nesse sentido não é a desconfiança ou a intolerância que provocam essa atitude, mas o modo como a aproximação ocorre.