Leia um trecho do romance Memórias de um sargento de milícias, do escritor Manuel Antônio de Almeida, para responder às questões de 02 a 05.
Cremos, pelo que temos referido, que para nenhum dos leitores será ainda duvidoso que chegara ao Leonardo a hora de pagar o tributo de que ninguém escapa neste mundo,ainda que para alguns seja ele fácil e leve, e para outros pesado e custoso: o rapaz amava. É escusado dizer a quem.
Como é que a sobrinha de D. Maria, que a princípio tanto desafiara a sua hilaridade por esquisita e feia, lhe viera depois a inspirar amor, é isso segredo do coração do rapaz que nos não é dado penetrar: o fato é que ele a amava, e isto nos basta. Convém lembrar que se pela sorte de um pai se pode augurar1 a de um filho, o Leonardo em matéria de amor não prometia decerto grande fortuna. E com efeito, logo depois da noite do fogo no Campo2, em que as coisas começavam a tomar vulto, principiou a roda a desandar-lhe em quase todos os sentidos. Luisinha, uma vez extinto o entusiasmo que, suscitado pelas emoções que experimentara na noite do fogo, a acordara da sua apatia, voltara de novo ao seu antigo estado: e, como de tudo esquecida, na primeira visita que o barbeiro e o Leonardo fizeram a D. Maria depois desses acontecimentos, nem para este último levantara os olhos; conservara-se de cabeça baixa e olhos no chão.
(Memórias de um sargento de milícias, 2003.)
1 augurar: adivinhar.
2 fogo no Campo: referência à Festa do Divino (celebração religiosa de origem católica), comemorada com fogos de artifício.
A não onisciência do narrador das Memórias de um sargento de milícias está bem exemplificada no seguinte trecho:
a) |
“é isso segredo do coração do rapaz que nos não é dado penetrar” (2º parágrafo). |
b) |
“É escusado dizer a quem” (1º parágrafo). |
c) |
“o fato é que ele a amava, e isto nos basta” (2º parágrafo). |
d) |
“pela sorte de um pai se pode augurar a de um filho” (2º parágrafo). |
e) |
“principiou a roda a desandar-lhe em quase todos os sentidos” (2º parágrafo). |
a) Correta. Ao afirmar a impossibilidade de penetrar o “coração do rapaz”, o narrador afasta-se de uma perspectiva onisciente. Assim, a mudança de postura e sentimentos de Leonardo em relação a Luisinha mantém-se como um mistério, um “segredo”, algo que não pode ser revelado por encontrar-se no íntimo do personagem. Dessa forma, o trecho exemplifica a não onisciência do narrador.
b) Incorreta. De acordo com esse trecho, é desnecessário nomear quem era o amor de Leonardo, pois essa informação seria facilmente subentendida pelos leitores, levando-se em conta os fatos narrados previamente. Essa afirmação do narrador não o afasta necessariamente de uma onisciência.
c) Incorreta. Nesse trecho, o narrador afirma que Leonardo amava Luisinha. Desse modo, revela um sentimento do personagem e, por isso, não pode ser considerado um exemplo de não onisciência.
d) Incorreta. O trecho em questão traz uma reflexão do narrador, que relaciona as vivências amorosas do pai de Leonardo com as possíveis experiências do protagonista nesse mesmo campo. Não há, portanto, elementos que permitam configurar a não onisciência.
e) Incorreta. Aqui o narrador confirma a “previsão” de que Leonardo, tal qual o seu pai, enfrentaria dificuldades em relação ao amor. Não se pode, então, detectar elementos que afastem o narrador de uma perspectiva onisciente.