Questão 69 Enem 2019 - dia 1 - Linguagens e Ciências Humanas
Dizem que Humboldt, naturalista do século XIX, maravilhado pela geografia, flora e fauna da região sul-americana, via seus habitantes como se fossem mendigos sentados sobre um saco de ouro, referindo-se a suas incomensuráveis riquezas naturais não exploradas. De alguma maneira, o cientista ratificou nosso papel de exportadores de natureza no que seria o mundo depois da colonização ibérica: enxergou-nos como territórios condenados a aproveitar os recursos naturais existentes.
ACOSTA, A. Bem viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos. São Paulo: Elefante, 2016 (adaptado).
A relação entre ser humano e natureza ressaltada no texto refletia a permanência da seguinte corrente filosófica:
| a) |
Relativismo cognitivo. |
| b) |
Materialismo dialético. |
| c) |
Racionalismo cartesiano. |
| d) |
Pluralismo epistemológico. |
| e) |
Existencialismo fenomenológico. |
A formulação do enunciado e a seleção do texto de apoio da questão não apresentam grau de clareza adequado a uma prova do porte do ENEM. Com alguma flexibilidade conceitual e inferências algo duvidosas, seria possível chegar a uma resposta, marcada, no entanto, por alguma imprecisão.
O comando afirma que o texto do enunciado ressalta uma relação entre ser humano e natureza que o enunciado diz que refletia a permanência de uma corrente filosófica. O texto mostra a visão de Alexander von Humboldt, cientista que viveu de 1769 a 1859, para quem a América do Sul seria dotada de muitos recursos naturais não-aproveitados. A natureza portanto é entendida por ele como fonte de riquezas, e os homens, seus donos.
O uso do verbo "ressaltar" pelo enunciado indica que o examinador provavelmente queria a atenção do candidato para o que o texto escolheu destacar. O texto destaca a visão de Humboldt. Sendo um cientista naturalista do século XIX, a visão de Humboldt sobre a relação homem-natureza não poderia refletir a permanência do materialismo dialético, posterior a ele no século XIX, do relativismo cognitivo ou do existencialismo fenomenológico, correntes de pensamento do século XX, ou ainda do pluralismo epistemólogico, perspectiva característica dos fins do século XX e início do XXI. Desta forma, são incorretas respectivamente as alternativas A, B, D e E.
Resta a alternativa C, que fala de racionalismo cartesiano. Seria um caminho muito mais evidente ligar a perspectiva científca de Humboldt ao empirismo de Bacon, que entrava em confronto direto com o racionalismo cartesiano. No entanto, é possível que o examinador tivesse em mente a seguinte passagem de Descartes:
" Pois elas [noções gerais relativas à Física] me fizeram ver que é possível chegar a conhecimentos que sejam muito úteis à vida, e que, em vez dessa Filosofia especulativa que se ensina nas escolas, se pode encontrar uma prática, pela qual, conhecendo a força e as ações do fogo, da água, do ar, dos astros, dos céus e de todos os outros corpos que nos cercam [...]. poderíamos empregá-los da mesma maneira em todos os usos para os quais são próprios, e assim nos tornar como que senhores e possuidores da natureza [...], não só para a invenção de uma infinidade de artifícios, que permitiriam gozar, sem qualquer custo, os frutos da terra e todas as comodidades que nela se acham, mas principalmente também para a conservação da saúde, que é sem dúvida o primeiro bem e o fundamento de todos os outros bens desta vida."
(DESCARTES, Discurso sobre o método, Parte VI).
A ideia dos seres humanos como senhores e possuidores da natureza é exatamente a colocada no texto do enunciado.