Para responder às questões de 26 a 28, leia o poema “Círculo vicioso”, de Machado de Assis.
Círculo vicioso
Bailando no ar, gemia inquieto vaga-lume:
— “Quem me dera que fosse aquela loura estrela,
Que arde no eterno azul, como uma eterna vela!”
Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:
— “Pudesse eu copiar o transparente lume1,
Que, da grega coluna à gótica janela,
Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela!”
Mas a lua, fitando o sol, com azedume:
— “Mísera! tivesse eu aquela enorme, aquela
Claridade imortal, que toda a luz resume!”
Mas o sol, inclinando a rútila capela2:
— “Pesa-me esta brilhante auréola de nume3...
Enfara4-me esta azul e desmedida umbela5...
Por que não nasci eu um simples vaga-lume?”
(José Lino Grünewald (org.). Grandes sonetos da nossa língua, 1987.)
1 lume: luz, brilho, claridade.
2 rútila capela: cintilante grinalda.
3 nume: ser ou potência divina, divindade.
4 enfarar: entediar.
5 umbela: qualquer objeto ou estrutura em forma de guarda-chuva.
a) Do ponto de vista formal, a que período literário o poema se alinha? Justifique sua resposta.
b) Rima rica é aquela que ocorre entre palavras de classes gramaticais diferentes. Identifique duas rimas ricas empregadas no poema.
a) Na prosa, Machado de Assis é geralmente associado ao movimento realista, entretanto, na poesia, ele se alinha à estética parnasiana. Desse modo, do ponto de vista formal, o soneto apresenta características formais do Parnasianismo, estética literária que vigorou no final do século XIX e início do século XX, da qual o autor foi contemporâneo.
O poema “Círculo vicioso” apresenta alguns elementos formais que o inserem na estética parnasiana. Trata-se de um soneto de feição clássica, composto por quatorze versos, distribuídos em dois quartetos e dois tercetos.
Como é comum nesse movimento literário, há um rígido esquema de rimas que pode ser assinalado da seguinte forma: ABBA ABBA BAB ABA. As rimas dos quartetos são chamadas de interpoladas, pois o primeiro verso rima com o quarto e o segundo e terceiro rimam entre si. As rimas dos tercetos são chamadas de alternadas, nas quais os versos ímpares (primeiro, terceiro e quinto) rimam entre si; o mesmo ocorre com os versos pares (segundo, quarto e sexto).
Machado adotou nesse soneto um esquema métrico bastante empregado pelos poetas parnasianos: os versos alexandrinos, com doze sílabas métricas:
Bai / lan / do / no ar, / ge / mi / ain /quie / to / va /ga/-lu/me:
– “quem / me / de/ra / que / fo/sse a /que/la / lou/ ra es/tre/la
que ar/de / no e/ter/no a/zul,/ co/mo u/ma e/ter/na/ ve/la!”
Mas / a es/tre/la,/ fi/tan/do a / lu/a, / com / ci/ú/me.
Outra característica tipicamente parnasiana presente nesse soneto é o emprego de um vocabulário preciosista, o que atesta o domínio do poeta sobre a língua portuguesa. Como exemplo dessas escolhas lexicais, pode-se citar: “lume”, “gótica”, “fronte”, “mísera”, “rútila”, “capela”, “nume”, e “umbela”.
Cabe citar ainda a ocorrência dos hipérbatos, versos em que se observa a inversão da ordem sintática, como se pode observar em: “Bailando no ar, gemia inquieto vagalume”; “Pesa-me esta brilhante auréola de nume”; e “Enfara-me esta luz e desmedida umbela”.
b) A rima rica ocorre quando se rimam duas palavras de classe gramatical diversa, como se pode observar nas combinações: “janela” (substantivo), “bela” (adjetivo) e “aquela” (pronome). Outra combinação que configura a rima rica é “resume” (verbo) e “nume” (substantivo).