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Questão 9 Fuvest 2024 - 2ª fase - dia 1

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Questão 9

Marília de Dirceu

Ao tratar do drama da personagem de Tomás Antonio Gonzaga, o narrador de O romanceiro da Inconfidência descreve-o do seguinte modo:

“Tanto impou de namorado!

E agora, quando se mira

vê-se um mísero coitado...

(como lá diz numa lira...)

- Se nas águas se mirasse,

veria ralo o cabelo

- Um par de esporas, somente.

E murcha e pálida, a face.

 

- Falta-lhe aquele desvelo

da sua pastora terna...

- Deveria socorrê-lo..

-... a quem dará glória eterna!... –

Ai, que ricos libertinos!

Tudo era Inglaterra e França,

e, em redor, versos latinos...

 

- lá se lhes foi a esperança!

- Mas segue com seus embargos.

(Quem porfia, sempre alcança...)

- Os argumentos são largos.

- Que tem luzes, ninguém nega,

- Mas são coisas da Fortuna,

que bem se sabe ser cega...

 

- Não lhe sendo a hora oportuna,

perder-se-á tudo que alega”.


a) Quais aspectos do Arcadismo aparecem nessa caracterização?

b) Em que medida o poema de Cecília Meireles contradiz esses aspectos?



Resolução

a) Ao descrever Tomás Antônio Gonzaga, o narrador de “Romanceiro da Inconfidência” o retrata explorando o contraste entre a imagem que ele projeta no presente com a que ele projetava no passado. Nessa caracterização, a voz narrativa mobiliza alguns aspectos do Arcadismo de modo a reconstituir a imagem do poeta. Um dos aspectos árcades mais evidentes é a referência aos “versos latinos” que remete à imitação que os poetas do século XVIII faziam da poesia clássica, especialmente da poesia latina; nessa referência, destaca-se o aspecto neoclássico do Arcadismo. Nesse sentido, a menção ao “desvelo de sua pastora terna” remete ao pastoralismo, isto é, a celebração da vida poética dos pastores, uma das convenções latinas presentes nessa estética. Pode-se também mencionar a referência a um gênero poético em voga no período – a lira – através das quais o pastor Dirceu celebrou sua amada Marília, impando-se, isto é, orgulhando-se de estar enamorado por ela. Por fim, outro aspecto a ser destacado é a filiação dos poetas árcades ao Iluminismo, o qual pode ser identificado na referência à Inglaterra e à França, países de onde emanavam ideias e princípios racionalistas que animaram os ideais celebrados por muitos dos poetas que se envolveram na Inconfidência mineira.

b) Um dos principais aspectos da poesia árcade é a celebração do ideal pastoril, que projeta a figura do pastor que vive uma vida simples na natureza, dedicando-se às artes e à poesia, como um modelo da vida amena, feliz e equilibrada. No poema apresentado, esse ideal é contrariado, visto que o poeta é apresentado de modo decadente, vítima dos infortúnios que sobre ele se abateram após ter sido preso, acusado de envolvimento com a Conjuração mineira. Assim, ele é um “mísero coitado” que, se se mirasse nas águas, veria um “ralo cabelo” e uma “murcha e pálida face”. Vitimado pelas injustiças, ele se encontra apartado de sua “pastora terna” que, impossibilitada de socorrê-lo na prisão, faz-se ausente dessa poesia. Essa ausência da amada contraria as convenções amorosas presentes na poesia do Arcadismo.

Outro aspecto árcade contrariado nesse romance é a crença na superioridade da razão. O narrador afirma que o poeta “tem luzes”, ou seja, ele possui o conhecimento e se orienta pela razão, presente na fundamentação de seus embargos de defesa contra as acusações. No entanto, a voz narrativa coloca em dúvida o poder da razão frente às injustiças. Por mais que o acusado argumente racionalmente, ele está sujeito ao acaso da “Fortuna, que bem se sabe ser cega...”, isto é, seu destino está na mão do acaso e ele corre o risco de “não lhe sendo a hora oportuna, perder tudo que alega”.

Em suma, o poema, ao representar as desgraças de Tomás Antônio Gonzaga na prisão, contraria os princípios árcades, colocando em relevo os seus infortúnios e sua triste condição. Nesse sentido, as convenções que pautam a poesia do Arcadismo mostram-se insuficientes para retratar a nova situação do poeta.