A arte foi e ainda pode ser utilizada para criar, reforçar e disseminar ideias, valores e estereótipos, mas também pode colocá-los em discussão. A obra “Sentem para jantar”, de Gê Viana, faz parte da série “Atualizações traumáticas de Debret”, na qual o artista propõe uma revisão iconográfica da história do Brasil tendo como referência as obras de Jean- Baptiste Debret, especificamente aquelas presentes em “Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil” (1834-1839), publicação que pautou de maneira imagética o período colonial brasileiro. Em sua revisão, Gê Viana dá continuidade ao seu projeto de análise crítica de representações históricas, produzindo releituras de algumas dessas obras, dentre as quais, a obra “Um jantar brasileiro”, do artista francês. A seguir, são reproduzidos os quadros desses dois artistas.
Jean-Baptiste Debret. “Um jantar brasileiro”, 1827. Aquarela, 15,7 x 22 cm. Disponível em http://museuscastromaya.com.br/.
Gê Viana. “Sentem para jantar”, 2021. Impressão em jato de tinta com pigmento natural de colagem digital sobre papel Hahnemuhle Photo Rag 308 g/m2; 29,7 x 42 cm. Disponível em https://mam.rio/ge-viana/.
Com base nas informações e imagens apresentadas, assinale a alternativa que corresponde à abordagem adotada por Gê Viana em sua obra “Sentem para jantar”, ao utilizar como referência a obra “Um jantar brasileiro”, de Jean-Baptiste Debret.
a) |
Gê Viana reproduz, em sua obra, as mesmas relações sociais representadas na obra de Debret. |
b) |
Gê Viana exalta, em sua obra, especialmente as características físicas das pessoas retratadas, enquanto Debret enfatiza as relações pessoais. |
c) |
Gê Viana emprega, em sua obra, as mesmas técnicas e os mesmos materiais utilizados na obra de Debret, o que lhes confere grande semelhança. |
d) |
Gê Viana ignora aspectos relacionados a questões étnicoraciais em sua releitura da obra de Debret, focando apenas na estética visual da obra. |
e) |
Gê Viana busca desconstruir, em sua obra, os estereótipos étnico-raciais presentes na obra original de Debret. |
a) Incorreta. A reorganização social é evidente na leitura de Gê Viana, dado que ela retira as pessoas de pele preta de posições de subalternidade para posições de pessoas respeitadas, que se sentam para jantar em família e trocam alimentos na mesa enquanto interagem. Logo, não é possível afirmar que existem as mesmas relações sociais.
b) Incorreta. A obra de Viana foca-se na revisão crítica, voltada ao que é retratado quanto ao seu papel social, não quanto a elementos específicos como aspectos físicos. Justamente por isso, a artista mantém as referências ao original bastante próximas, como ocorre com as características físicas do formato do corpo, por exemplo, as quais são muito semelhantes às de Debret. Tudo isso é feito de modo que apenas a crítica do enfoque ao que é, e como é, retratado sobressaia.
c) Incorreta. As técnicas de composição empregadas nas duas obras são diferentes: Debret usa a aquarela e Gê Viana, a impressão. Embora as técnicas sejam diversas, observam-se aspectos em comum tais como o uso de cores através das quais a artista contemporânea tenta reproduzir, na arte digital, alguns aspectos da aquarela de Debret, de modo a tornar explícito o diálogo entre ambas as obras.
d) Incorreta. Não é possível separar a estética visual da obra de Gê Viana com as questões étnico-raciais representadas na aquarela de Debret. Ao representar as personagens negras sentadas à mesa, compartilhando uma refeição, a artista contemporânea ressignifica as questões étnico-raciais, pois retira as pessoas pretas de uma posição de subalternidade e lhes confere a dignidade que lhes é tirada na relação escravista representada por Debret.
e) Correta. A artista maranhense Gê Viana atualiza a litografia produzida por Debret, na qual são vistas as pessoas de corpos negros em posições de subalternidade: um aguardando atrás da porta e dois a postos, ao lado da mesa e abanando para espantar insetos; assim como as crianças de corpos pretos ao chão, comendo pedaços que a pessoa branca lhes cede. Sua tentativa é apresentar imagens que não sejam apenas as de inferiorização durante o período colonial, buscando trazer uma nova iconografia, desse período, para o corpo negro (e indígena), visando atualizar os imaginários. Desse modo, em sua série “Atualizações traumáticas de Debret”, ela, ao mesmo tempo, critica os estereótipos e atualiza as representações históricas sobre essas pessoas – colocando-as na posição daqueles que se sentam para jantar, que tem seus antepassados nos quadros das casas e são senhores da cada, sem que ninguém os sirva –, contribuindo para a reflexão sobre como tais imagens contribuem para a perpetuação de tais rótulos.