“Entre os anos de 2012 e 2022, o número de pessoas autodeclaradas pretas e pardas aumentou em uma taxa superior à do crescimento do total da população do país, segundo o resultado da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua do IBGE. No caso dos negros, essa porcentagem variou de 7,4% em 2012 para 10,6% em 2022. ‘(...) uma das hipóteses para o crescimento da proporção é que a percepção racial tenha mudado dentro da população, nos últimos anos’.”
O Globo, 22/07/2022; CNN Brasil, 16/06/2023.
“Pois bem, é justamente a partir daí que aparece a necessidade de teorizar as ‘raças’ como o que elas são, ou seja, construtos sociais, formas de identidade baseadas numa ideia biológica errônea, mas eficaz, socialmente, para construir, manter e reproduzir diferenças e privilégios. Se as raças não existem num sentido estritamente realista de ciência, ou seja, se não são um fato do mundo físico, são, contudo, plenamente existentes no mundo social, produtos de formas de classificar e de identificar que orientam as ações dos seres humanos.”
GUIMARÃES, Antônio Sergio Alfredo. Raças e estudos de relações raciais no Brasil. Novos Estudos CEBRAP, n.54, 1999. p.153.
Relacionando os dados trazidos pela PNAD/IBGE e o conceito de raça do sociólogo Antônio Sergio Alfredo Guimarães, é correto afirmar:
a) |
A hipótese de que a autopercepção racial de parte dos brasileiros mudou está em conflito com a tese de que raça é um construto social. Isso porque, como os traços fenotípicos da população brasileira mantiveram-se os mesmos de 2012 a 2022, não haveria motivos para o aumento dos autodeclarados pretos e pardos.
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b) |
A tese de que raças são construtos sociais ganha força diante das mudanças na autopercepção de parte dos brasileiros sobre sua condição racial. Alterações culturais e ideológicas da inserção social de negros e pardos teriam permitido o crescimento dos assim autodeclarados. |
c) |
As alterações na autopercepção racial captadas pelas pesquisas do IBGE não guardam relação com a ideia de que raça é um construto social. Na verdade, reafirmam que as raças são realidades biológicas e que mais indivíduos estariam se dando conta do seu verdadeiro pertencimento racial.
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d) |
Os dados colhidos pelo IBGE sobre o aumento da autodeclaração racial dos respondentes como pretos e pardos indicam que houve um aumento dessa população no Brasil, o que contraria a tese de que raça é um construto social, e não uma realidade biológica. |
e) |
A existência do racismo no Brasil indica que a tese de raça como construto social está errada. Se raça fosse um construto social, e não uma realidade biológica, os indivíduos prefeririam se declarar como brancos para evitar serem vítimas de racismo. |
a) Incorreta. A hipótese levantada pelo primeiro texto, a de que a autopercepção racial dos brasileiros se alterou nos últimos anos, levando a um aumento de pessoas que se autodelcaram pretas e pardas, não está em desacordo com a ideia, defendida no segundo texto, de que raça é um conceito construído socialmente. O primeiro texto, extraído de um artigo de imprensa, trabalha com dados objetivos, afirmando que houve um aumento de brasileiros autodeclarados pretos e pardos, ao mesmo tempo em que não houve substancial alteração na população brasileira. Dessa forma, a explicação mais plausível para esse cenário seria entender raça como construção social, de modo que alterações na sociedade e nas correntes ideológicas de percepção da realidade possam fazer com que mais pessoas se percebam como pretas e pardas.
b) Correta. O segundo trecho citado, de autoria do sociólogo Antônio Sérgio Alfredo Guimarães, argumenta que raça é um construto social, ou seja, possui validade apenas se entendermos tal conceito como construção das relações sociais com efeito real. Porém, do ponto de vista das ciências biológicas, raça seria um equívoco científico. Seguindo esse raciocínio, o aumento da autopercepção dos brasileiros enquanto pretos e pardos reforça a tese de Guimarães, já que esse incremento na autopercepção poderia ser explicado por mudanças sociais, como, por exemplo, maior representatividade e projeção de afrodescentes ou discussões mais difundidas sobre a estrutura do racismo brasileiro.
c) Incorreta. Embora uma série de teóricos, a partir do século XIX, tenha tentado explicar a diferença fenotípica entre os seres humanos com base em argumentos raciais, essas teorias, professadas por autores como Arthur de Gobineau (1816-1882) e Sílvio Romero (1851-1914), são atualmente tratadas como cientificamente incorretas e responsáveis por tentativas de justificação do racismo. Assim, as teses que afirmam que raças são realidade biológica não fazem parte do debate científico contemporâneo, de modo que não seria coerente ou adequado, do ponto de vista acadêmico, utilizá-las para interpretar os dados colhidos pelo IBGE.
d) Incorreta. O primeiro excerto citado afirma que o número de autodeclarados pretos e pardos cresceu em proporção maior do que a população brasileira, de forma que podemos interpretar que a alteração não se deu na composição populacional, mas sim na maneira como os indivíduos brasileiros passaram a se interpretar e a se entender como componentes de uma sociedade.
e) Incorreta. A persistência do racismo no Brasil nos fornece elementos que reforçam a tese de que raça é um construto histórico-social, e não o contrário. Fazendo uma leitura histórica do racismo, e entendendo tal dinâmica como uma estrutura constante na história brasileira, podemos buscar interpretar os índices de autodeclaração de pretos e pardos ao longo dos anos. Em uma sociedade tradicionalmente racista, como é o caso da brasileira, pode ser esperado que pessoas afrodescendentes optem por não se declararem pretas e pardas, não apenas para evitar racismo, como aborda a alternativa, mas também por estarem inseridas em uma lógica social que valoriza a cultura e as características fenotípicas dos indivíduos brancos. Porém, essa situação acaba por sofrer mudanças, já que a permanência do racismo gera oposições e questionamentos, que se materializam em movimentos sociais, discursos antirracistas, políticas de ação afirmativa, legislação, iniciativas empresariais voltadas à diversidade, demandas por representatividade, entre outros. Essas materializações deslocam percepções tradicionalmente estruturadas, fornecendo mais condições, segurança e contexto para a expressão da diversidade étnica e para a aceitação da afrodescendência.