“A Enciclopédia conseguiu destronar a antiga rainha das ciências e elevar a filosofia para o seu lugar. Longe de ser um compêndio neutro de informações, a obra modelava o conhecimento de tal maneira que o tirava do clero e o colocava nas mãos de intelectuais comprometidos com o Iluminismo. (...) Mas o combate mais importante ocorreu na década de 1750, quando os enciclopedistas reconheceram que conhecimento era poder e, mapeando o universo do saber, partiram para a conquista.”
DARNTON, Robert. O grande massacre de gatos. Rio de Janeiro: Graal, 1986. p.270. Adaptado.
Segundo o excerto, a Enciclopédia preparada pelos pensadores Diderot e D’Alembert propunha um novo papel para os filósofos e uma reordenação do conhecimento científico. Tal proposta se caracterizou pela
a) |
conexão com um modelo de saber que justificava a hierarquia social do Antigo Regime. |
b) |
revelação de que o conhecimento filosófico oferecia as bases políticas para o absolutismo. |
c) |
valorização do mecenato como forma de proteção aos novos pensadores. |
d) |
aclamação dos pensadores como defensores da neutralidade científica. |
e) |
legitimação dos filósofos enquanto portadores de virtudes derivadas do culto do conhecimento empírico. |
a) Incorreta. O projeto intelectual dos filósofos classificados como Iluministas ia na contramão da justificativa da hierarquia social do Antigo Regime. A sociedade do Antigo Regime pode ser classifica como estamental, ou seja, dividida em estamentos ou ordens, categorias hierárquicas estanques e justificadas, desde a Idade Média, pela ideia de um ordenamento teológico do mundo, o que não encontra concordância com a visão de mundo racional dos Iluministas, que buscavam a explicação da sociedade por meio da observação e da razão, não se baseando em pressupostos religiosos, e em uma concepção de imutabilidade social.
b) Incorreta. Seguindo os argumentos expostos na justificativa da alternativa anterior, pode-se dizer que o pensamento Iluminista também não defendia as bases de sustentação política do Antigo Regime, que se baseava em ideias como a Teoria do Direito Divino conforme defendida por Jacques Bossuet (1627-1704), que trazia a concepção de que o poder político do Antigo Regime, que podemos chamar de Absolutista, era justificado por pressupostos teológicos, sendo que o soberano ocuparia essa posição de poder por direito estabelecido pela divindade.
c) Incorreta. O mecenato foi uma prática de financiamento e patrocínio a artistas muito comum no período do Renascimento Cultural. Tanto no trecho citado quanto na estrutura geral da Enciclopédia, obra editada por pensadores do Iluminismo como Diderot e D'Alembert, não se encontra essa valorização do mecenato para o intuito de proteção dos pensadores. O projeto da Enciclopédia visava à divulgação do conhecimento da época, de modo que os filósofos estariam inclusive entrando em choque com o tradicionalismo do Antigo Regime ao deixarem patente sua contrariedade, sendo que nem mesmo uma prática de mecenato evitaria que suas obras constassem da lista de obras censuradas da época.
d) Incorreta. A primeira frase do excerto citado fala em "destronar a antiga rainha das ciências e elevar a filosofia em seu lugar", feito obtido pela Enciclopédia. O que se pretende dizer é que a Enciclopédia, com sua divulgação do conhecimento filosófico do século XVIII, permitiu que a filosofia - e, por conseguinte, a razão - passasse a ocupar o posto de ciência primordial para o entendimento da realidade, tomando um lugar que anteriormente pertencia à teologia. Ao expor esse jogo e essa disputa entre as correntes de pensamento, o projeto enciclopedista fica longe de uma neutralidade científica, e os pensadores que a organizaram não se encaixam na categoria de defensores dessa neutralidade, já que o projeto consistiu em uma defesa militante de uma reconfiguração do papel das ciências e dos próprios filósofos, de modo que o conhecimento estaria se deslocando do clero para os intelectuais iluministas.
e) Correta. A proposta iluminista e a publicação da Enciclopédia partem de um elogio profundo à utilização da razão como instrumento de entendimento da realidade e do conhecimento empírico como base dessa reflexão racional. Os responsáveis por esse tipo de reflexão, os filósofos pertencentes a essa corrente intelectual, eram aqueles entendidos como capacitados para exercer esse conhecimento e dominar o cenário intelectual europeu. Essa capacitação, entendida como detenção de virtudes ligadas ao conhecimento, derivaria exatamente da valorização da razão e do uso do conhecimento empírico, características que permitiriam aos iluministas ocupar o posto que até então fora da Igreja na condução do mundo intelectual.