Texto I
“Na confusão verde do fundo da machamba, Maria não viu o capataz imediatamente. Esbracejou com aflição, tentando libertar as pernas. O braço rodeou-lhe os ombros duramente. O bafo quente e ácido do homem aproximou-se da sua face. A capulana da Maria desprendeu-se durante a breve luta e a sensação fria de água tornou-se-lhe mais vívida. Um arrepio fê-la contrair-se.
Sentiu nas coxas nuas a carícia morna e áspera dos dedos calosos do homem.”
Luis Bernardo Honwana. Dina, In: Nós Matamos o Cão Tinhoso!.
Texto II
“– Mas choraste. A bofetada que te dei foi só uma disciplina para aprenderes a não fazer ciúmes. Gosto muito de ti, Sarnau. És a minha primeira mulher. É tua a honra deste território. Tu és a mãe de todas as mães da nossa terra. Tu és o meu mundo, minha flor, rebuçado [bala] do meu coração.
Deixei cair duas gotas de fel bem amargas e salgadinhas. Meu marido acariciava-me à moda dos búfalos; dizia-me coisas no ouvido e o seu hálito fedia a álcool, enjoava-me, arrepiava-me, maltratando o meu corpinho frágil. Explodi furiosa e chorei de amargura.
– Sarnau, pareces ser uma machamba difícil. Já faz tempo que semeio em ti e não vejo resultado. Com a outra foi tão diferente. Bastou uma sementeira e germinou logo.
– Casámo-nos há pouco tempo, Nguila, muito pouco tempo.
– Não tenho lá muita paciência. Não estou para lavrar sem colher.”
Paulina Chiziane. Balada de amor ao vento, p. 61-62.
Nos excertos, os escritores moçambicanos descrevem, cada um em seu contexto, cenas de violência. Sobre elas, é correto afirmar:
a) |
Luís Bernardo Honwana descreve uma cena de violência psicológica velada do capataz contra a mulher, sem que ela perceba a agressão sofrida. |
b) |
Luís Bernardo Honwana expõe a violência social de que a mulher é vítima ao relatar uma discussão acalorada que ela trava com o capataz. |
c) |
Luís Bernardo Honwana narra uma luta física entre o capataz e a mulher, a qual tenta resistir à agressão sofrida, mas acaba por consentir com a relação. |
d) |
Paulina Chiziane apresenta elementos narrativos que permitem identificar a agressão psicológica e física praticada, pelo marido, contra a mulher. |
e) |
Paulina Chiziane associa a violência contra a mulher a um processo educativo que visa zelar pela estabilidade da relação conjugal e pela felicidade do casal. |
a) Incorreta. No excerto do conto “Dina”, Maria é vítima de violência física, sexual, de modo explícito. Não há referência a conflito psicológico, mas um embate corporal entre os personagens, e a moça tenta resistir.
b) Incorreta. O que ocorre entre Maria e o capataz não é uma discussão, mas um confronto físico, em que o homem força a moça a ter uma relação sexual.
c) Incorreta. Não há evidências, no texto I, de que Maria acabou por consentir com a relação. A jovem tenta reagir (“Esbracejou com aflição, tentando libertar as pernas”), ocorre uma “breve luta”, mas ela acaba sendo vencida pela força do capataz.
d) Correta. Verifica-se, no texto II, que Sarnau é agredida pelo marido tanto fisicamente quanto psicologicamente. A agressão física está presente na bofetada que Nguila afirma ter dado na esposa, e também pode ser constatada no modo como Sarau descreve sua sensação durante o ato sexual: “Meu marido acariciava-me à moda dos búfalos [...] maltratando o meu corpinho frágil”. Já a agressão psicológica pode ser identificada quando Nguila se queixa pelo fato de Sarau ainda não ter engravidado, comparando-a a outra mulher, que teria ficado grávida logo na primeira relação sexual. Assim, a esposa é culpabilizada, pressionada e atacada em sua autoestima, tendo seu valor diminuído. Outro fator que contribui para essa agressão psicológica é a oposição entre um discurso aparentemente afetuoso (“Gosto muito de ti, Sarnau. És a minha primeira mulher. É tua a honra deste território. Tu és a mãe de todas as mães da nossa terra. Tu és o meu mundo, minha flor, rebuçado [bala] do meu coração.”) e, por outro lado, as atitudes violentas e as cobranças do marido.
e) Incorreta. O excerto deixa claro que não há estabilidade ou felicidade na relação conjugal. Sarnau sente nojo e raiva do marido, chorando amargurada; Nguila, por sua vez, expressa sua decepção pelo fato da mulher não engravidar. Percebe-se, portanto, um clima de tensão e descontentamento entre o casal.