Migalhas
Entre a toalha branca e um bule de café
seria inapropriado dizer
eu não te amo mais.
Era necessário algo mais solene,
um jardim japonês
para as perdas pensadas,
um noturno de tempestade
para arrebentar de dor,
uma praia de pedras para chorar
em silêncio, uma cama alta
para o incenso da despedida,
uma janela
dando para o abismo.
No entanto você abaixa os olhos
e recolhe lentamente as migalhas de pão
sobre a mesa posta para dois.
MARQUES, A. M. A. vida submarina. Sao Paulo: Cia. das Letras, 2021.
Nesse poema, a representação do sentimento amoroso recupera a tradição lírica, mas se ajusta à visão contemporânea ao
a) |
invocar o interlocutor para uma tomada de posição. |
b) |
questionar a validade do envolvimento romântico. |
c) |
diluir em banalidade a comoção de um amor frustrado. |
d) |
transformar em paz as emoções conflituosas do casal. |
e) |
condicionar a existência da paixão a espaços idealizados. |
a) Incorreta. Ao longo do poema, o interlocutor não é chamado a tomar uma posição. O que se questiona é o contexto em que o rompimento é enunciado.
b) Incorreta. O eu poemático não questiona a validade do seu relacionamento, mas a forma banal e desprovida de solenidade como ocorre a separação amorosa.
c) Correta. No poema, o eu poemático afirma que a anunciação do fim do sentimento amoroso deveria ser feita em um contexto que associasse o drama da separação à natureza - “um jardim japonês”, “um noturno de tempestade”, “uma praia de pedras”, ou a uma ambientação que abarcasse a itensidade do momento – “uma cama alta para o incenso da despedida, uma janela para o abismo”. Assim, a frustração amorosa, tal como na tradição lírica, estaria cercada de elementos que refletiriam os sentimentos advindos dessa separação. Porém, essa expectativa é frustada, uma vez que o rompimento se dá em uma cena banal, durante uma simples e corriqueira refeição a dois, numa perspectiva contemporânea da dissolução do enlace amoroso.
d) Incorreta. O poema não retrata uma situação de paz entre o casal, mas o incômodo expresso pelo eu poemático perante a forma simplista e desprovida de solenidade com que se dá a frustração amorosa.
e) Incorreta. Os espaços idealizados evocados no poema servem para expressar a necessidade do eu poemático em vivenciar seu sentimento de perda e frustração – e não a existência da paixão, de forma mais intensa, ao contrário do que ocorre na realidade: a separação do casal durante uma atividade rotineira.