Dão Lalalão
Do povoado do Ão, ou dois sítios perto, alguém precisava urgente de querer vir por escutar a novela do rádio. Ouvia-a, aprendia-a, guardava na ideia, e, retornado ao Ão, no dia seguinte, a repetia a outros.
Assim estavam jantando, vinham os do povoado receber a nova parte da novela do rádio. Ouvir já tinham ouvido tudo, de uma vez, fugia a regra: falhara ali no Ão, na véspera, o caminhão de um comprador de galinhas e ovos, seo Abrãozinho Buristém, que carregava um rádio pequeno, de pilhas, armara um fio no arame da cerca... Mas queriam escutar outra vez, por confirmação. - "A estória é estável de boa, mal que acompridada: taca e não rende..." - explicava o Zuz ao Dalberto.
Soropita começou a recontar o caítulo da novela. Sem trabalho, se recordava das palavras, até com clareza - disso se admirava. Contava com prazer de demorar, encher a sala com o poder de outros altos personagens. Tomar a atenção de todos, pudesse contar aquilo noite adiante. Era preciso trazer luz, nem uns enxergavam mais os outros; quando alguém ria, ria de muito longe. O capítulo da novela estava terminado.
ROSA, J. G. Noites do sertão (Corpo de baile). São Paulo: Global, 2021.
Nesse trecho do conto, o gosto dos moradores do povoado por ouvir a novela de rádio recontada por Soropita deve-se ao(à)
a) |
qualidade do som do rádio. |
b) |
estabilidade do enredo contado. |
c) |
ineditismo do capítulo da novela. |
d) |
jeito singular de falar aos ouvintes. |
e) |
dificuldade de compreensão da história. |
a) Incorreta. Não há menção, no excerto, a uma má qualidade do som do rádio por meio do qual os moradores do povoado ouviram o capítulo da novela. Dessa forma, esse não pode ser o motivo que levou os habitantes a gostarem da narrativa de Soropita.
b) Incorreta. A menção à estabilidade do enredo aparece na fala de Zulu a respeito do capítulo ouvido pelo rádio, e não ao relato de Soropita. O prazer em ouvir novamente a história, narrada pelo personagem, não se deve, portanto, a esse fator.
c) Incorreta. Os moradores do povoado já tinham ouvido o capítulo da novela previamente, pelo rádio, quando se propuseram a escutar o relato de Soropita. Assim, não havia ineditismo na narrativa recontada pelo personagem.
d) Correta. O último parágrafo do excerto explicita que Soropita tinha uma maneira própria de contar a história da novela que agradou aos moradores, uma vez que ele se lembrava das palavras com precisão, “contava com prazer de demorar, encher a sala com o poder de outros altos personagens”. Desse modo, o empenho do personagem em seu relato cativou a atenção de seus ouvintes.
e) Incorreta. De acordo com o excerto, os moradores queriam escutar a história do capítulo da novela outra vez “por confirmação”. A fala de Zuzu demonstra que eles haviam compreendido o que ouviram, mas não estavam satisfeitos com o modo como fora apresentada: “A história é estável de boa, mal que acompridada: taca e não rende”.