Girassol da madrugada
Teu dedo curioso me segue lento no rosto
Os sulcos, as sombras machucadas por onde a vida passou.
Que silêncio, prenda minha ... Que desvio triunfal da verdade,
Que círculos vagarosos na lagoa em que uma asa gratuita roçou ...
Tive quatro amores eternos ...
O primeiro era moça donzela,
O segundo ... eclipse, boi que fala, cataclisma,
O terceiro era a rica senhora,
O quarto és tu ... E eu afinal me repousei dos meus cuidados
ANDRADE, M. Poesias completas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2013 (fragmento).
Perante o outro, o eu lírico revela, na força das memórias evocadas, a
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vergonha das marcas provocadas pela passagem do tempo. |
b) |
indecisão em face das possibilidades afetivas do presente. |
c) |
serenidade sedimentada pela entrega pacífica ao desejo. |
d) |
frustração causada pela vontade de retorno ao passado. |
e) |
disponibilidade para a exploração do prazer efêmero. |
a) Incorreta. Não é possível identificar vergonha nas memórias evocadas pelo eu lírico.
b) Incorreta. Na última estrofe do poema, o eu lírico relembra-se de seus “quatro amores eternos”. Os três primeiros residem no passado, o que é notado pelos verbos no pretérito. O quarto amor é o único vivido no presente, ainda em andamento. Portanto, não há “indecisão em face das possibilidades afetivas do presente”, uma vez há apenas um afeto no presente.
c) Correta. Ao longo do poema, o eu lírico descreve o tempo vivido e os amores de sua vida, agora olhados na maturidade. Dentre os quatro amores descritos, o segundo é caracterizado como um “cataclisma”, isto é, uma grande catástrofe ambiental, como um tsunami, um dilúvio, uma inundação ou um terremoto. Tal contexto, difere do amor atual, pois, ao descrevê-lo, o eu lírico aponta que com ele "afinal me repousei dos meus cuidados”. É possível pressupor, com base neste verso, que a entrega pacífica ao desejo trouxe serenidade ao eu poemático.
d) Incorreta. Embora o eu lírico traga acontecimentos do passado, não há indícios textuais que apontem para um suposto desejo de retornar a esse tempo.
e) Incorreta. Ao falar sobre seu atual amor, ocorre a caracterização de um “tu” onde “eu afinal me repousei dos meus cuidados”. O verbo “repousar” (estar colocado ou estabelecido; assentar-se) indica o desejo do eu lírico de viver um amor além de efêmero.