No princípio era o verbo. A frase que abre o primeiro capítulo do Evangelho de João e remete à criação do mundo, assim como também faz o Gênesis, é a mais famosa da Bíblia. A ideia de que o mundo é criado pela palavra, porém, é tão estruturante que está presente em outras religiões, para muito além das fundadas no cristianismo. Como humanos, a linguagem é o mundo que habitamos. Basta tentar imaginar um mundo em que não podemos usar palavras para dizer de nós e dos outros para compreender o que isso significa. Ou um mundo em que aquilo que você diz não é entendido pelo outro, e o que o outro diz não é entendido por você.
O que acontece então quando a palavra é destruída e, com ela, a linguagem?
Durante séculos, em diferentes sociedades e línguas, é importante lembrar, a linguagem serviu - e ainda serve - para manter privilégios de grupos de poder e deixar todos os outros de fora. Quem entende linguagem de advogados, juízes e promotores, linguagem de médicos, linguagem de burocratas, linguagem de cientistas? A maior parte da população foi submetida à violência de propositalmente ser impedida de compreender a linguagem daqueles que determinam seus destinos.
Se o princípio é o verbo, o fim pode ser o silenciamento. Mesmo que ele seja cheio de gritos entre aqueles que já não têm linguagem comum para compreender uns aos outros.
BRUM, E. Disponível em: https://brasil.elpais.com. Acesso em: 5 nov. 2021.
Nesse texto, a estratégia usada para convencer o leitor de que uma grande parcela da população não compreende a linguagem daqueles que detêm o poder foi
a) |
revelar a origem religiosa da linguagem. |
b) |
questionar o temor sobre o futuro da linguagem. |
c) |
descrever a relação entre sociedade e linguagem. |
d) |
apresentar as consequências do esfacelamento da linguagem. |
e) |
criticar o obstáculo promovido pelos usos especializados da linguagem. |
a) Incorreta. O texto não discorre sobre a origem religiosa da linguagem, mas sobre a suposta criação do mundo a partir da palavra, de acordo com algumas crenças.
b) Incorreta. Não há um questionamento do temor sobre o futuro da linguagem, mas uma constatação sobre a falência da comunicação quando a linguagem não cumpre seu propósito de transmitir informações inteligíveis entre os interlocutores.
c) Incorreta. Seria até possível dizer que, em linhas gerais, o texto estabelece relações entre sociedade e linguagem, contudo, essa não é a estratégia utilizada para convencer o leitor de que uma grande parcela da população não compreende a linguagem dos poderosos, conforme questiona o enunciado.
d) Incorreta. Dado que “esfacelar” significa “desfazer-se”, não é possível afirmar que o texto discorra sobre um esfacelamento da linguagem, mas sim acerca de usos específicos e propositais dela, que acabam por marginalizar uma parcela da sociedade.
e) Correta. De fato, para convencer o leitor de que uma parte significativa da sociedade não compreende a linguagem utilizada pelos detentores do poder, o texto critica algumas formas de utilização especializada da linguagem, como aquela feita por determinados profissionais com o intuito de inviabilizar a compreensão do público leigo.