Não tinha outra filosofia. Nem eu. Não digo que a Universidade me não tivesse ensinado alguma; mas eu decorei-lhe só as fórmulas, o vocabulário, o esqueleto. Tratei-a como tratei o latim; embolsei três versos de Virgílio, dois de Horácio, uma dúzia de locuções morais e políticas, para as despesas da conversação. Tratei-os como tratei a história e a jurisprudência. Colhi de todas as cousas a fraseologia, a casca, a ornamentação.
ASSIS, M. Memórias póstumas de Brás Cubas. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.
A descrição crítica do personagem de Machado de Assis assemelha-se às características dos sofistas, contestados pelos filósofos gregos da Antiguidade, porque se mostra alinhada à
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elaboração conceitual de entendimentos.
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b) |
utilização persuasiva do discurso.
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c) |
narração alegórica dos rapsodos.
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d) |
investigação empírica da physis.
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expressão pictográfica da pólis.
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A história da filosofia, tomando por base, sobretudo, uma leitura socrática e platônica acerca dos sofistas, acabou por: 1) homegeneizá-los; 2) criticá-los.
A homogeneização nos faz esquecer que o grupo chamado, genericamente, de "sofistas", tinha nuances epistemológicas, éticas e políticas. Segundo Giovanni Reale, poderíamos classificar os sofistas em quatro grupos diferentes: a) os grandes e famosos mestres da primeira geração; b) os erísticos; c) os políticos; d) os naturalistas. Como acontece sempre, nessa prova ou em qualquer outras dos vestibulares nacionais, a questão concentra-se nos "políticos", muito conhecidos por suas considerações retóricas.
A crítica que a história da filosofia construiu sobre os sofistas foi quase unânime até os anos 1900. Mérito de Werner Jaeger, no século passado, ter chamado a atenção para a contribuição dos sofistas à antropologia filosófica, estendendo, assim, certo “elogio” a esses pensadores da Grécia Antiga.
Feitas essas considerações, iniciais, de contextualização, vamos às alternativas:
a) Incorreta. A elaboração conceitual de entendimentos não poderia ser criticada pelos filósofos gregos da Antiguidade (justamente aquilo que pede o enunciado). Isso porque, como é sabido, esses mesmos filósofos são os “pais” da conceitualização filosófica – a exemplo de Platão.
b) Correta. A utilização persuasiva do discurso era a característica fundamental dos sofistas “políticos” – e, justamente, essa característica foi generalizada a todos os outros pensadores que se aglomeraram sob esse rótulo de “sofistas”. Ademais, foi essa a característica que lhes rendeu as críticas históricas, ofuscando suas contribuições. Segundo Platão, os sofistas eram “retóricos”, ou seja, faziam uso da argumentação com objetivo meramente instrumental – o convencimento, em detrimento, muitas vezes, do conhecimento.
c) Incorreta. Narração alegórica dos rapsodos não pode ser alternativa correta e o vestibulando, ou vestibulanda, poderia eliminar essa alternativa pensando, esquematicamente, da seguinte maneira: aedos e rapsodos difundiam suas metáforas no Período Homérico, período diferente do Período Clássico (socrático e sofístico, abordado pela questão). Claro que se trata de uma redução histórica. Como já dito, uma saída esquemática. Porém, uma saída efetiva.
d) Incorreta. Mais uma vez, a alternativa poderia ser eliminada mediante classificação histórica-filosófica: “investigação da physis”, expressão usada no item, é frase utilizada para a caracterização da filosofia pré-socrática, própria do Período Arcaico. Como já dito, a questão enquadra-se em outro período do mundo antigo – o período grego clássico.
e) Incorreta. O item sugere que o debate entre Sócrates, Platão e os sofistas acontecia de forma pictórica – simbólica, figurativa. Como encontramos nos mais de trinta escritos exotéricos platônicos, o debate entre esses pensadores sempre foi epistêmico, ético e político, no campo prático-conceitual. Por isso, essa alternativa não pode ser correta.