A economia das ilegalidades se reestruturou com o desenvolvimento da sociedade capitalista. A ilegalidade dos bens foi separada da ilegalidade dos direitos. Divisão que corresponde a uma oposição de classes, pois, de um lado, a ilegalidade mais acessível às classes populares será a dos bens - transferência violenta das propriedades; de outro, à burguesia, então, se reservará a ilegalidade dos direitos: a possibilidade de desviar seus próprios regulamentos e suas próprias leis; e essa grande redistribuição das ilegalidades se traduzirá até por uma especialização dos circuitos judiciários; para as ilegalidades de bens - para o roubo - os tribunais ordinários e os castigos; para as ilegalidades de direitos - fraudes, evasões fiscais, operações comerciais irregulares - jurisdições especiais com transações, acomodações, multas atenuadas etc.
FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1987.
O texto apresenta uma relação de cálculo político-econômico que caracteriza o poder punitivo por meio da
a) |
gestão das ilicitudes pelo sistema judicial. |
b) |
aplicação das sanções pelo modelo equânime. |
c) |
supressão dos crimes pela penalização severa. |
d) |
regulamentação dos privilégios pela justiça social. |
e) |
repartição de vantagens pela hierarquização cultural. |
O texto, embora possa ser de difícil leitura para a maioria dos candidatos e candidatas, pode ser, esquematicamente, resumido dessa forma: 1) o desenvolvimento da sociedade capitalista promoveu mudanças de diversos tipos; 2) algumas dessas mudanças afetaram o campo das "ilegalidades"; 3) esse campo foi afetado de modos diversos, em consonância com a divisão de classes própria do capitalismo; 4) aos proletários, a administração das ilegalidades foi uma; aos burgueses, foi outra. É de Michel Foucault e pode ser entendido no contexto de discussão política da formação do Estado (e suas estruturas) e do seu contraponto: a sociedade civil.
Montado o raciocínio, seguem as explicações das alternativas, separadamente:
a) Correta. O sistema judicial burguês, alicerçado, sobretudo, na lógica da igualdade formal - mas não material - gerenciou as ilegalidades conforme lhe foi interessante: atenuações de um lado e severidades de outro.
b) Incorreta. As sanções não foram equânimes, como indica o item. Ao contrário – e o texto deixa claro – existiram “dois pesos e duas medidas”, conforme a localização de classe daquele que se inseria na sociedade burguesa.
c) Incorreta. A alternativa, em si mesma, carece de coerência lógica. Não há como “suprimir” os crimes através de “penalização severa”. O código jurídico burguês, mostrou Engels, aplicou (e continua aplicando) penalização severa à classe trabalhadora; não suprimindo (extirpando, acabando) com crimes que, segundo alguns, são mais propensos a essa mesma classe.
d) Incorreta. A regulamentação dos privilégios, na ascensão da sociedade burguesa, até aconteceu, poderíamos dizer. Mas isso não se deu através de uma “justiça social”, como se coloca no item. A regulação dos privilégios, poderíamos dizer, se deu (e assim continua) através das instâncias de Estado, incluso, nessas instâncias, o Poder Judiciário, um dos objetos de análise dessa questão.
e) Incorreta. Mais uma vez, o item carece de lógica interna. Ele, em si mesmo, já é uma contradição: repartição de vantagens e hierarquização? As vantagens concentram-se, segundo a lógica de entendimento que o texto propõe, em uma classe específica, a saber, a classe burguesa.