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Questão 59 Enem 2023 - dia 1 - Linguagens e Ciências Humanas

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Questão 59

Foucault

    A economia das ilegalidades se reestruturou com o desenvolvimento da sociedade capitalista. A ilegalidade dos bens foi separada da ilegalidade dos direitos. Divisão que corresponde a uma oposição de classes, pois, de um lado, a ilegalidade mais acessível às classes populares será a dos bens - transferência violenta das propriedades; de outro, à burguesia, então, se reservará a ilegalidade dos direitos: a possibilidade de desviar seus próprios regulamentos e suas próprias leis; e essa grande redistribuição das ilegalidades se traduzirá até por uma especialização dos circuitos judiciários; para as ilegalidades de bens - para o roubo - os tribunais ordinários e os castigos; para as ilegalidades de direitos - fraudes, evasões fiscais, operações comerciais irregulares - jurisdições especiais com transações, acomodações, multas atenuadas etc. 

FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1987. 


O texto apresenta uma relação de cálculo político-econômico que caracteriza o poder punitivo por meio da 

 

 



a)

gestão das ilicitudes pelo sistema judicial.

b)

aplicação das sanções pelo modelo equânime. 

c)

supressão dos crimes pela penalização severa. 

d)

regulamentação dos privilégios pela justiça social. 

e)

repartição de vantagens pela hierarquização cultural. 

Resolução

O texto, embora possa ser de difícil leitura para a maioria dos candidatos e candidatas, pode ser, esquematicamente, resumido dessa forma: 1) o desenvolvimento da sociedade capitalista promoveu mudanças de diversos tipos; 2) algumas dessas mudanças afetaram o campo das "ilegalidades"; 3) esse campo foi afetado de modos diversos, em consonância com a divisão de classes própria do capitalismo; 4) aos proletários, a administração das ilegalidades foi uma; aos burgueses, foi outra. É de Michel Foucault e pode ser entendido no contexto de discussão política da formação do Estado (e suas estruturas) e do seu contraponto: a sociedade civil.

Montado o raciocínio, seguem as explicações das alternativas, separadamente:

a) Correta. O sistema judicial burguês, alicerçado, sobretudo, na lógica da igualdade formal - mas não material - gerenciou as ilegalidades conforme lhe foi interessante: atenuações de um lado e severidades de outro.

b) Incorreta. As sanções não foram equânimes, como indica o item. Ao contrário – e o texto deixa claro – existiram “dois pesos e duas medidas”, conforme a localização de classe daquele que se inseria na sociedade burguesa.

c) Incorreta. A alternativa, em si mesma, carece de coerência lógica. Não há como “suprimir” os crimes através de “penalização severa”. O código jurídico burguês, mostrou Engels, aplicou (e continua aplicando) penalização severa à classe trabalhadora; não suprimindo (extirpando, acabando) com crimes que, segundo alguns, são mais propensos a essa mesma classe.

d) Incorreta. A regulamentação dos privilégios, na ascensão da sociedade burguesa, até aconteceu, poderíamos dizer. Mas isso não se deu através de uma “justiça social”, como se coloca no item. A regulação dos privilégios, poderíamos dizer, se deu (e assim continua) através das instâncias de Estado, incluso, nessas instâncias, o Poder Judiciário, um dos objetos de análise dessa questão.

e) Incorreta. Mais uma vez, o item carece de lógica interna. Ele, em si mesmo, já é uma contradição: repartição de vantagens e hierarquização? As vantagens concentram-se, segundo a lógica de entendimento que o texto propõe, em uma classe específica, a saber, a classe burguesa.