A extraordinária história de Catalina de Erauso (1585? – 1650) é bem conhecida. Quando jovem, escapou do convento para buscar aventuras no Novo Mundo. Para poder realizar suas façanhas, se vestiu e viveu como homem por quase vinte anos, adotando o nome de Erauso. Erauso era um soldado sanguinário e conquistador, lutava contra os indígenas araucanos. Por seus feitos, conseguiu o título de alferes. Quando, por fim, sua identidade primeira foi descoberta, recebeu do rei Felipe IV, por seu heroísmo, uma pensão alimentar e do Papa Urbano VIII uma dispensa e uma permissão para se vestir de homem pelo resto de sua vida.
(Traduzido e adaptado de: GÓMEZ, M. A. “El problemático ‘feminismo’ de La Monja Alférez de Domingo Miras”. Em: Espéculo: Revista de Estudios Literarios, nº. 41, 2009.)
a) Com base em seus conhecimentos sobre o mundo moderno europeu e as instituições citadas no texto, explique por que a autora classifica a história de Catalina de Erauso como extraordinária.
b) O chamado novo mundo trouxe mudanças práticas e simbólicas para a vida no Atlântico. Nesse contexto, explique duas funções das monarquias europeias e o papel desenvolvido pela Igreja na expansão territorial europeia moderna.
a) De acordo com a autora do texto-base da questão, a trajetória de Catalina de Erauso pode ser classificada como extarordinária pois desafiou diversas convenções de sua época, que era o início da Idade Moderna, em um momento em que se intensificou a presença europeia no continente americano. Esses desafios se deram no sentido de subverter a lógica de instituições estabelecidas da modernidade europeia, como a Igreja, o patriarcado, o exército e a própria monarquia, instituições essas que representavam esteios do mundo moderno, tanto na Europa quanto na América. A subversão institucional se deu quando Catalina de Erauso fugiu do convento, saindo da zona de controle da Igreja; posteriormente, quebrou com os padrões patriarcais de gênero ao viver como homem e inclusive participar do processo de conquista da América e receber um título militar. Na conclusão de suas peripécias, notamos uma flexibilização da monarquia, quando o rei espanhol Felipe IV lhe concede uma pensão alimentar e o Papa Urbano VIII chancela sua subversão, ao lhe dar permissão para se vestir de acordo com as convenções do gênero masculino, de forma que essa personagem completa o ciclo e recebe uma dispensa da Igreja que ela inicialmente abandonou.
b) Em relação ao Novo Mundo e ao mundo Atlântico dos séculos XVI e XVII, podemos apontar que as monarquias europeias tinham funções como: centralizar e regular os esforços colonizadores, tanto no referente às iniciativas estatais quanto à ação de indivíduos particulares; manter controle sobre os fluxos comerciais transcontinentais; estabelecer mecanismos para o cumprimento das leis europeias em territórios coloniais; organizar a estrutura administrativa das colônias.
No referente ao papel desenvolvido pela Igreja no contexto de expansão europeia, pode-se ressaltar a importânica da idela expansionista também no referente aos ideais religiosos, fazendo do projeto colonizador também um projeto de ampliação do poder religioso, seja por meio da maior presença de religiosos nas colônias, seja com o aumento de fieis cristãos a partir da conversão de nativos. Outro aspecto relevante a ser levantado é como a Igreja acabou por chancelar a vinda de escravizados africanos como força de trabalho para a América, a partir de justificativas ideológicas e pelo projeto de catequização dos nativos, que, pelo fato de serem convertidos, não seriam tratados como mercadorias prontas para a venda. De forma mais geral, é possível também abordar como a instituição da Igreja Católica foi central na construção tanto da cultura ibero-americana quanto na formação de uma sociabilidade no Novo Mundo, pois perpassava todos os níveis sociais, além de ser responsável por oficiar cerimônias de aliança e reconhecimento social nas Américas, como casamentos e batizados.