Texto 1
Comecei este livro usando “povos da floresta”, conceito que costumo usar em meus artigos [...]. Povos da floresta implica que os povos pertencem à floresta, e não a floresta pertence aos povos. A crase no “a” faz toda diferença. [...] Quando compreendemos algo das centenas de diferentes povos indígenas, o algo que os une, e quando compreendemos a origem de beiradeiros e quilombolas, alcançamos uma outra camada de conhecimento. Esses povos não possuem a floresta, a formulação está clara. Afirmar apenas que pertencem a ela, porém, ainda não é exato. Eles não pertencem, eles são, porque ser ribeirinho e quilombola e indígena, para além de qualquer estatuto, é se compreender como natureza. Assim, não são povos da floresta, mas povos-floresta. Deletamos a partícula de pertencimento – “da” – para que possam ser reintegrados também na linguagem.
(Adaptado de: BRUM, E. Banzeiro Òkòtó: uma viagem à Amazônia Centro do Mundo. São Paulo: Companhia das Letras, p. 96-97, 2021).
Texto 2
(Tirinha da série do personagem Armandinho, de Alexandre Beck. Disponível em: https://br.pinterest.com/ pin/319685273533661898/. Acesso em: 30/08/2023.)
a) Duas afirmações do texto 1 se referem a aspectos gramaticais que estão na base das conceituações apresentadas a partir dos termos povos e floresta. Transcreva as duas afirmações e explique por que as expressões construídas a partir desses dois termos indicam conceituações diferentes.
b) Considere a interpretação que a autora do texto 1 propõe para a expressão “povos da floresta”. A partir dessa interpretação, reformule em discurso direto a pergunta feita à avó do personagem no texto 2, de modo que a resposta dada por ela seja “sim”. Justifique a sua reformulação.
a) A primeira afirmação do texto 1 que se refere a aspectos gramaticais e que se relaciona aos termos povos e floresta é “Povos da floresta implica que os povos pertencem à floresta, e não a floresta pertence aos povos. A crase no ‘a’ faz toda diferença”. Nesse primeiro caso, o uso do acento grave indicador de crase deixa claro que o termo “à floresta” é objeto indireto do verbo pertencer, e não sujeito, trazendo, assim, o sentido pretendido pela autora de que os povos são pertencentes à floresta, e não o contrário. Vale dizer que, nessa construção, a concordância verbal também colabora para a construção de sentido, visto que o sujeito “povos” está no plural, assim como a forma “pertencem”, ao passo que “floresta” está singular.
A segunda afirmação é “Assim, não são povos da floresta, mas povos-floresta. Deletamos a partícula de pertencimento – “da” – para que possam ser reintegrados também na linguagem”. Nesse segundo caso, ao eliminar a contração “da” - que introduz o adjunto adnominal “da floresta”, o qual caracteriza o substantivo “povos” – e formar o substantivo composto “povos-floresta”, a autora sugere que os dois substantivos (povos e floresta) passam a ser um único ser, eliminando a ideia de posse e trazendo extensão de sentido entre ambos os substantivos.
b) No texto 1, a autora traz a expressão “povos da floresta” com o sentido de que os povos pertencem à floresta, ou seja, a floresta é a possuidora e povos é o elemento possuído por ela. Essa ideia apresentada pela autora contraria a tese de que a floresta é posse dos seres humanos. Na tirinha, a pergunta feita à avó do personagem vai exatamente ao encontro dessa ideia de que os seres humanos possuem a terra, e, por isso, a avó responde que “não”.
Para que a resposta da avó seja “sim”, levando em consideração o que é defendido no texto 1 e o próprio contexto da tirinha, em discurso direto, uma possibilidade de pergunta seria “Nós somos pertencentes à terra?” ou “Nós pertencemos à terra?”. Essa reformulação traz o conceito apresentado pela autora Eliane Brum, de que nós pertencemos à terra e, também, permite, desse modo, que a resposta da avó seja “sim”. Além disso, a fim de transpor a pergunta para o discurso direto, seria necessário alterar o tempo verbal do pretérito para o presente e, também, trocar as reticências por um ponto de interrogação.