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Questão 9 Unicamp 2024 - 2ª fase - dia 1

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Questão 9

Calor Específico Condução Térmica na Calorimetria Química Descritiva

Os microplásticos têm grande potencial para alterar a biota e o ecossistema do planeta. Análises apontam que esses materiais já foram encontrados no ar que se respira, em ambientes terrestres, marinhos e em reservas de água doce. Foram também encontrados na água de torneira e na engarrafada, no sal marinho, na cerveja e em peixes consumidos pelo homem. Até mesmo nas fezes humanas os microplásticos foram encontrados. Mesmo com toda essa diversidade, a maior parte dos estudos científicos sobre o potencial danoso dos microplásticos foca o ambiente marinho, repositório de boa parcela dos microplásticos.


a) Identifique duas possíveis origens dos microplásticos e explique como ocorre sua deposição no ambiente marinho.

b) Acreditando que a presença de microplásticos na areia da praia pode alterar o perfil térmico da areia, e que essas alterações podem representar uma ameaça às populações de tartarugas marinhas − pois a produtividade, o desenvolvimento sexual e a aptidão dos filhotes dependem das condições do ninho −, pesquisadores misturaram amostras de areia com microplásticos brancos e pretos e em proporções variadas, deixando essas amostras expostas ao sol. Os estudiosos registraram a temperatura dessas amostras ao longo da exposição. Levando em conta tanto a forma como os pesquisadores conduziram os experimentos, quanto as grandezas físicas (calor específico e condutividade térmica da areia e dos microplásticos), explique como a presença de microplásticos na areia poderia alterar a temperatura e a amplitude térmica nesse local.



Resolução

a) Plásticos são polímeros sintéticos, ou seja, macromoléculas constituídas por longas cadeias entrelaçadas podendo apresentar certa cristalinidade apesar de serem na maior parte amorfas. Esses plásticos podem se fragmentar pouco a pouco a partir de diversos fatores como atrito, radiação ultravioleta, aquecimento, solubilização, degradação biológica, etc. Os fragmentos de plástico menores que 5mm são denominados microplásticos e representam um grande problema por serem persistentes no ambiente por décadas podendo se misturar a materiais alterando características esperadas para um ambiente ou serem ingeridos por seres vivos causando danos ao organismo dos mesmos.

Existem diversas fontes de liberação de microplásticos no ambiente:

  • Lavagem de roupas de tecidos com fibras sintéticas como o nylon (poliamida) e o poliéster. A lavagem desses tecidos é consiste em um processo físico e mecânico que leva ao desprendimento de pequenas fibras que são levadas junto com a água descartada.
  • Uso de certos produtos de higiene pessoal como pasta de dente, géis de banho, cremes, dentre outros. Tais produtos apresentam microesferas plásticas destinadas a abrasão ou esfoliação sendo descartadas juntos ao esgoto doméstico a lavagem para sua remoção após o uso.
  • Degradação de plásticos descartadas deixados em exposição à radiação ultravioleta, a qual possui energia para auxiliar a quebra de ligações químicas da estrutura polimérica que aliada à processos de abrasão no meio leva à formação dos microplásticos.

Ainda seria possível citar o descarte de "nurdles" que são pequenos fragmentos de plásticos menores que 5mm, portanto, já microplásticos, usados como material de partida para extrusão de plásticos ou moldagem por injeção em itens como sacolas, garrafas, etc.

As fontes de liberação de microplásticos apresentadas são comumente levadas através do esgoto doméstico sendo depejados diretamente nos oceanos ou encaminhados para estações de tratamento, neste último não é capaz de reter microplásticos e acabam por voltarem para os rios e podem chegar ao ambiente marinho novamente. Outros meios como a própria dissipação desses microplásticos no ar também podem levar à sua deposição nos oceanos.

Uma vez no ambiente marinho, os microplásticos menos densos podem ficar dispersos na superfície, enquanto os mais densos sofrem sedimentação, acumulando no fundo dos oceanos.  À medida que a deposição de toneladas desse material aumenta, a comunidade bentônica passa a ser mais significativamente afetada, sobretudo seus representantes filtradores, como esponjas, acídias, bivalves e outras espécies com o mesmo modo de alimentação.

b) A areia é um material com baixo calor específico e moderada condutibilidade térmica. Para os microplásticos, por sua vez, é esperado que tenham baixo calor específico e condutibilidade térmica ainda menor que da areia. Como uma primeira consequência, podemos esperar que haja menor condutibilidade térmica na mistura, dificultando trocas de calor para camadas mais profundas da areia, fazendo com que a energia térmica se concentre ainda mais na superfície.

Além disso, os microplásticos pretos têm uma absorção de calor maior que os microplásticos brancos. Isso ocorre porque a coloração preta absorve mais radiação solar do que a coloração branca, contribuindo para uma maior temperatura durante o dia. Durante a noite, os plásticos pretos tendem a emitir mais calor que os plásticos brancos, contribuindo assim para uma queda de temperatura maior durante esse período.

Com isso, a presença de microplásticos na areia pode alterar a temperatura e a amplitude térmica desse local. É esperado que misturas com maiores quantidades de plásticos pretos tenham maiores amplitudes térmicas que a areia com maior quantidade de plástico branco. Ademais, por afetar a condutibilidade térmica, também é esperado que haja um aumento de temperatura na superfície da areia, mesmo na presença de maiores quantidades de plásticos brancos.

No experimento realizado pelos pesquisadores, as amostras de areia misturadas com microplásticos apresentaram temperaturas mais altas e amplitudes térmicas mais elevadas do que as das amostras de areia sem microplásticos. As diferenças de valores de temperatura observadas, entre a areia misturada e a areia sem mistura, foram maiores para as amostras com maior proporção de microplásticos pretos.

As tartarugas são seres marinhos, mas ainda guardam uma dependência pela terra firme, reflexo de seu passado evolutivo terrestre. As fêmeas dessas espécies precisam retornar à costa para a postura dos ovos, a qual é feita em buracos escavados por elas. O aquecimento da areia pela ação do sol, dia após dia, será responsável pela incubação dos ovos. Diferente do que acontece nos mamíferos, a determinação sexual de vários grupos de répteis, incluindo as tartarugas, depende da temperatura de incubação de seus ovos. Aqueles que estiverem mais próximos à superfície ficam sujeitos à temperaturas mais elevadas e originarão fêmeas, já os de localização mais profunda ficarão sujeitos a temperaturas inferiores, originando os machos e na faixa intermediária teremos proporções semelhantes de machos e fêmeas. Portanto, a temperatura de incubação é essencial para o equilíbrio e proporção de indivíduos quanto ao sexo e, infelizmente, as alterações no ambiente físico discutidas na questão têm o potencial de afetar esse equilíbrio, influenciando no tamanho das populações, na sobrevivência dessas espécies e no equilíbrio populacional de outros organismos da teia trófica.