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Questão 52 Unicamp 2024 - 1ª fase

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Questão 52

Aristóteles

Excerto 1

Quase todos estão de acordo que a felicidade é o maior de todos os bens que se pode alcançar pela ação; diferem, porém, quanto ao que seja a felicidade. A julgar pela vida que os homens levam em geral, a maioria deles, e os homens de tipo mais vulgar, parecem identificar o bem ou a felicidade com o prazer, e por isso amam a vida dos gozos.

(Adaptado de: Aristóteles. Ética a Nicomaco, Livro I, seções 4 e 5.)

Excerto 2

O conhecimento seguro dos desejos leva a direcionar toda a escolha e toda recusa para a saúde do corpo e para a serenidade do espírito, visto que essa é a finalidade da vida feliz. O prazer é o início e o fim de uma vida feliz. Embora o prazer seja nosso primeiro bem inato, nem por isso escolhemos qualquer prazer.

(Adaptado de: Epicuro. Carta sobre a felicidade. São Paulo: Editora UNESP, p. 35-37, 2002.)


Considerando os excertos dos filósofos gregos Aristóteles e Epicuro, ambos do século IV a.C., é possível afirmar que



a)

Aristóteles e Epicuro sustentam a ideia de que há relação entre a felicidade e o prazer, pois ambos entendem que o prazer é o início e o fim de uma vida feliz.

b)

diferentemente de Aristóteles, Epicuro defende que a felicidade consiste na realização irrestrita dos nossos desejos, uma vez que o prazer é o início e o fim de uma vida feliz.

c)

tanto Aristóteles quanto Epicuro – ainda que com concepções éticas distintas – entendem que não há uma identificação imediata entre felicidade e prazer.

d)

Aristóteles e Epicuro concordam entre si e discordam daqueles que pensam que a felicidade seja o maior dos bens que se possa alcançar pela ação.

Resolução

A questão traz uma interessante reflexão sobre a ideia de felicidade, um dos grandes temas da Grécia Antiga. Para a construção dessa reflexão apresentam-se dois excertos, um de Aristóteles e outro de Epicuro.

Aristóteles foi um filósofo do século IV a.C. e, por isso mesmo, participou da época de ouro da Grécia, o chamado Período Clássico. “Clássico”, também, é o termo que utilizamos para designá-lo, considerando suas contribuições para o pensamento ocidental – uma dessas contribuições, justamente, a ideia de felicidade.

Segundo Aristóteles, a felicidade é a consequência natural da vida de sabedoria que o cidadão leva na pólis. A felicidade não pode ser, então, como o texto da questão deixou muito claro, resultado dos prazeres. A felicidade caminha ao lado das virtudes; os prazeres, dos vícios.

Epicuro, por sua vez, foi um pensador do Período Helenístico, posterior ao Período Clássico. A Grécia dos tempos áureos já não mais existia e as filosofias do período, quase que retratando certa decadência das cidades gregas, sob domínio macedônico, são filosofias “periféricas”. Filosofias periféricas porque filosofias de releitura – sendo uma dessas releituras a do conceito de felicidade. Justamente nesse esquadro, o exercício foi montado.

a) Incorreta. Aristóteles não sustenta que há relação entre felicidade e prazer, conforme menciona o item. O excerto de sua obra Ética a Nicômaco, utilizado na contextualização da questão, diz: “os homens de tipo mais vulgar parecem identifica o bem ou a felicidade com o prazer”.

b) Incorreta. A realização irrestrita de nossos desejos não pode nos conduzir à felicidade, mesmo para Epicuro. Não por acaso, é do autor a distinção de três tipos de prazeres, a saber: 1) os naturais e necessários; 2) os naturais e não necessários; 3) os não naturais e não necessários. Ademais, também é do autor as seguintes instruções: fartem-se dos primeiros; gozem dos segundos com moderação; evitem os terceiros. Ora, se a realização irrestrita dos nossos desejos nos conduzisse à felicidade, como escreve a alternativa, não teria motivo para Epicuro sugerir uma restrição de certos tipos de prazeres. Só o faz porque não é um mero hedonista – como o item pode sugerir.

c) Correta. De fato, Aristóteles e Epicuro têm concepções éticas diferentes. A leitura atenta dos textos, diga-se de passagem, já encaminharia os vestibulandos nesse sentido. No entanto, embora não comunguem exatamente das mesmas ideias, entendem que não há uma identificação imediata entre felicidade e prazer. A felicidade, poderíamos dizer, seja em Aristóteles, seja em Epicuro, é mediada pela virtude. No caso de Aristóteles, em uma virtude que se materializa em “sabedoria prática”, capaz de levar o cidadão a medidas equilibradas – as melhores para a harmonia da cidade. No caso de Epicuro, por exemplo, a medida da temperança, importante para não nos “perdermos nos prazeres inferiores”.

d) Incorreta. A felicidade é o maior dos bens que se pode alcançar pela ação, exatamente o contrário do que diz a redação do item, irremediavelmente incorreta. Aristóteles, por exemplo, dizia ser esse o fundamento último de nossa vida coletiva, da busca pela virtude, o fundamento último das amizades, da política, da justiça, do conhecimento ou de tudo o mais que o ser humano possa construir. Não à toa, a ética aristotélica também é chamada de ética eudemonista – “ética da felicidade”.